A última pedrinha

Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

Salim era um pobre pescador que morava na beira do Rio Ganges. Depois de uma magra pescaria, quando estava voltando para a sua choupana, começou a pensar o que poderia fazer se, um dia, chegasse a ficar rico. Sonhar não custava nada. Nesse momento, ele pisou sobre um saquinho que continha algo semelhante a pedrinhas. Sem reparar o que tinha nas mãos, começou a arremessar as pedrinhas para a água do rio. – Quando for rico, terei uma casa maravilhosa – e jogou uma pedrinha. – Terei comida com fartura – e atirou uma segunda pedrinha. – Terei uma empresa de navegação – e lançou mais uma pedrinha. E assim continuou a brincadeira para um bom tempo. Quando chegou à última pedrinha, olhou para ela e descobriu, com surpresa, que era uma pedra preciosa. Talvez tivesse jogado fora a riqueza dos seus sonhos.

No domingo que encerra o tempo do Natal, sempre lembramos o batismo de Jesus nas águas do Rio Jordão pelas mãos de João Batista. No evangelho de Marcos, esse gesto marca o início da vida pública de Jesus confirmada pelas palavras do Pai: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu benquerer” (Mc 1,11). O fato de Jesus ter entrado na fila daqueles que aceitavam o batismo de João, como penitência e mudança de vida,  o faz solidário. Companheiro de caminhada com toda a humanidade, sempre necessitada de conversão, entendida como retorno à casa do Pai. Ao sair da água, o Espírito desce sobre ele e a “voz” do céu, que o chama de “Filho amado”, sela definitivamente a sua identidade: é o Filho querido do Pai, enviado à humanidade para manifestar, com a sua vida e, mais ainda com a sua morte, o amor de Deus.

O nosso “batismo” é diferente, já acontece em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O Batismo nos “enxerta”, para usar uma imagem do próprio Jesus, como os ramos unidos ao tronco da videira. De lá, recebemos a linfa vital e, quando produzimos bons frutos, manifestamos a bondade da planta. Separados do tronco os ramos secam, são jogados fora e só servem para o fogo. Palavras graves que nos obrigam a repensar o que fizemos com o dom do nosso Batismo. Pode ter acontecido que, ao longo do caminho da vida, por descuido ou, simplesmente, por não conhecermos o valor, tenhamos jogado fora o inestimável tesouro que nos foi confiado naquele dia.

Com o Batismo cristão, nós nos tornamos “familiares” daquele Deus Pai que Jesus veio nos revelar. Não um Deus qualquer, mas justamente aquele que o Filho nos ensinou a chamar de Pai nosso e a cumprir a sua vontade na certeza de podermos confiar nele sem reservas tão grande é o seu amor (cf. Mt 12,50). É o dom da fé que nos permite acreditar nisso. Com o Batismo, entramos a fazer parte também da “família” dos cristãos, a Igreja, o novo povo que Jesus adquiriu com o seu sangue. Somos um povo que caminha na história humana, na penumbra da fé, feito de santos e pecadores, trilhando a vereda estreita que conduz à Vida (cf. Mt 7,13-14). Quem não participa da comunidade corta a si mesmo do tronco vivo e seca em seu isolamento. Com o Batismo,  confirmado pela Crisma, recebemos o dom do Espírito Santo, dado aos apóstolos no dia de Pentecostes. É o Espírito da perseverança na fé, da fortaleza na esperança e da coragem do amor doação. É o Espírito também que distribui os seus dons para o bem de todos, reza conosco e, pela consciência, mostra-nos o pecado para buscar a vida nova do perdão e da reconciliação (cf. Rom 6,3-11). Sem o “fogo” do Espírito Santo a nossa vida cristã se apaga no frio da indiferença e na escuridão da tibieza.

Vou parar. Se não consideramos o que lembrei pérolas preciosíssimas, dons impagáveis do nosso Batismo, talvez seja porque já jogamos fora muito do que recebemos. Andamos despercebidos ou vivemos atordoados pelo brilho de tesouros imaginários. Para o Salim da história ficou impossível recuperar as pérolas lançadas ao rio. Com o nosso Batismo pode ser diferente. O tesouro pode ser juntado de novo. Basta querer!

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