A igreja demais cheia

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá

Certo dia, um santo homem estava na entrada de uma igreja muito famosa, porque lá aconteciam celebrações e orações sempre com grande participação do povo. O homem, porém, ficava parado na porta e se recusava a entrar.

– Por que o senhor não entra? – perguntaram-lhe.

–  Não posso – respondeu.

– Mas, por que não? – insistiram. O homem respondeu:

– Esta igreja está cheia de uma parede a outra, do piso ao telhado, de palavras bonitas, de ensinamentos superiores, de intercessões, de invocações e orações de fieis bem preparadas, caprichadas, politicamente corretas. Não tem lugar para mim aqui dentro.

As pessoas não entenderam e ficaram olhando espantadas. O santo homem continuou:

– Celebrantes e fieis pronunciam com os lábios milhões de palavras. Mas no céu chegam somente aquelas que vêm do coração. Todas as outras ficam por aqui, mesmo, abarrotando a igreja de parede a parede, do piso ao telhado!

Na leitura do evangelho de Mateus, deste ano litúrgico, encontraremos vários discursos de Jesus. O primeiro é o chamado “discurso do monte”. Ocupa três capítulos e vai nos acompanhar por alguns domingos. No início está a página bem conhecida das bem-aventuranças. Jesus proclama felizes algumas categorias de pessoas. No entanto, mais do que agrupar os possíveis bem-aventurados e discutir onde nós e tantos outros iríamos ficar, precisamos entender a mensagem que, de imediato, parece um conjunto de contradições. Algumas bem-aventuranças ainda podemos entender. Faz bem ser mansos e puros de coração; é empolgante promover a paz, ter fome e sede de justiça; é gratificante ser misericordiosos. Difícil é aceitar que sejam chamados “felizes” os pobres, os que choram e os que são perseguidos e injuriados. Na realidade, todas as bem-aventuranças são um desafio à mentalidade do mundo, que exalta o dinheiro, a vida cômoda e os privilégios. A paz para o mundo é o silêncio comprado com o medo ou com a corrupção. A justiça é a lei do mais forte. A mansidão é a cabeça dobrada de quem não tem mais força para reagir. Essas situações não são de felicidade, mas de opressão, fruto de alienação ou de consciências adormecidas.

O que Jesus propõe é mais do que uma promessa, é um mundo novo em construção. Tudo começa com a primeira das bem-aventuranças, a pobreza em espírito. O ser humano tem surpreendentes capacidades, mas deveria reconhecer a própria “pobreza”, ou seja, a própria incapacidade de construir relacionamentos respeitosos da vida, dos direitos e da dignidade de todos. Após tantos milênios, continuamos a ser fascinados pelo poder das armas, do dinheiro, da mídia, da politicagem e da corrupção. O ser humano é extremamente criativo, quando quer passar na frente dos outros, custe o que custar. O caminho de Jesus para mudar tudo isso &eacu te; aquele de aprender a ver a vida e a história não com o olhar dos poderosos e vencedores, mas dos pobres, o olhar de quem está em baixo e não em cima da pirâmide social, sempre criticada, mas nunca derrubada.

Uma sociedade verdadeiramente humana será aquela onde as pessoas aprendem a enxugar as lágrimas dos aflitos. Onde se reparte o pão com os famintos e se pratica a justiça não por obrigação, mas pela alegria de ver o irmão feliz. Onde a paz é fruto do diálogo, do perdão e da solidariedade. As bem-aventuranças são o projeto do Reino de Deus que é Pai de bondade e misericórdia. É o Reino da Vida, sem mentiras e perseguições, porque a Verdade ilumina todo coração humano. Jesus não somente proclamou as bem-aventuranças, as viveu até o fim. Foi humilde, pobre, perseguido e morto. Enxugou lágrimas, consolou os pequenos, perdoou prostitutas e cobradores de impostos. Abriu olhos a cegos, fez falar mudos, caminhar entrevados. Praticou o milagre da partilha. Encontrava a força na oração. Passava a noite rezando, na mais profunda comunhão com o Pai. Podemos nos perguntar se as nossas orações nos impelem a praticar as bem-aventuranças ou somente enchem as nossas igrejas e de lá nunca saem. Se não mudamos a vida as nossas orações não sobem para o céu.

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