Palavra que aquece e ilumina

O dia era bonito. A jovem mãe levou os dois filhinhos para brincar no parque. Sem deixar de reparar nas crianças, sentou-se num banco e começou a ler com atenção um volumoso livro. No banco ao lado, um senhor bem vestido fumava, com ar entediado, um cigarro. Olhando ao seu redor, ficou curioso e perguntou à senhora:

 – Desculpe, mas, o que está lendo de tão interessante?

 – É a Bíblia, a Palavra de Deus – respondeu a mulher.

O homem fez uma careta e disse:

– A Palavra de Deus? Quem garante isso?

– Está tão claro – continuou a senhora com simplicidade.

– Nada menos que a Palavra de Deus. Como a senhora sabe disso?

– A mãe levantou os olhos para o céu e questionou:

– Como o senhor sabe que no céu tem o sol?

 – Que bobagem, senhora. Sei porque o sol aquece e ilumina tudo.

– Isso mesmo – continuou a mulher com os olhos brilhando – as palavras deste livro aquecem e iluminam a minha vida. Este é o efeito da Palavra de Deus! –

Continuando a leitura do “discurso do monte” encontramos, a partir do evangelho deste domingo, umas palavras de Jesus repetidas como um refrão: “Vós ouvistes que foi dito…Eu, porém, vos digo…”. Jesus diz claramente que não veio para abolir a Lei e os Profetas, mas para dar-lhes pleno cumprimento. Ele confiava que as pessoas já tivessem prestado ouvido às palavras antigas e, sobretudo, as tivessem acolhido como Palavra de Deus. Faltava, agora, porém, completar o que Deus tinha falado. Não estava tudo dito e nem tudo escrito na Lei e nos Profetas. Tinha algo novo para aprender. Era necessário escutar novamente a Palavra de Deus que, agora, tinha se tornado carne, pessoa humana e “ensinava” com palavras e gestos. Finalmente o Reino de Deus tinha chegado!

Todos os dias, nós escutamos muitas conversas, notícias, informações. Se não queremos ficar sufocados por tantas palavras, devemos discernir e escolher a quais delas damos atenção e quais podemos descartar. Essa decisão depende daquilo que nos interessa, mas também dos valores que norteiam a nossa vida. Acontece que essa distinção está se tornando, cada vez mais, incerta por causa da nossa dificuldade de separar o que é importante do que não é no meio de tanta palavras e ideias apresentadas em embalagens cativantes e tentadoras. Precisamos afinar os nossos ouvidos, aprender a descartar os ruídos e acolher o que vale a pena guardar na mente e, mais ainda, no coração.

“Ouve, Israel!” é a ordem que encontramos no livro do Deuteronômio 6,4. Não bastava a Lei em si, escrita ou decorada. Precisava saber ouvi-la sempre de novo, deixa-la ecoar no coração, saber aplicá-la nas situações da vida para que a própria Vida e a Justiça fossem sempre respeitadas. De outra forma, as normas podiam, e sempre podem, tornar-se mera formalidade e assim não serem obedecidas. Ou podiam ser entendidas tão ao pé da letra, a ponto de perder o sentido pelas quais foram ditas por Deus, que tinha provado ser o Deus libertador, misericordioso e compassivo com o seu povo.

Os três mandamentos que Jesus lembra no evangelho deste domingo são um exemplo claro dessas possibilidades. A Lei diz “Não matarás”; sempre, sem nenhuma brecha. No entanto continuamos a matar. Inventamos “guerras santas” para poder eliminar aqueles que decidimos serem incômodos para o nosso interesse e bem- estar.  “Não cometerás adultério”, diz o mandamento. Mas, hoje, isso parece uma piada. A estabilidade do amor entre o homem e a mulher é, de antemão, considerada não só impossível, mas geradora de tédio, frustração e até causa do fim do amor entre os dois. A fidelidade reciproca, que deveria garantir a solidez da família, é considerada um empobrecimento, uma privação de liberdade e criatividade. O falso juramento tornou-se tão corriqueiro que os que juraram dizer a verdade mudam, depois, os depoimentos e precisam de prêmios e incentivos para ser, talvez, sinceros. Duvidamos tanto das palavras das pessoas, que é a verdade que deve ser provada. Ou seja: logo pensamos que os outros estejam mentindo, a não ser que tenham como provar que estão dizendo mesmo a verdade. Quem esfriou e escureceu? Nós ou a Palavra de Deus?

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