O menino e o poeta

Danilo, com 5 anos, e Compay Segundo, 95, nunca se conheceram. De Belém a Havana vai uma distância abissal. No entanto, o imponderável existe para tornar real o fantástico: o Buena Vista Social Club, do diretor de cinema alemão Wim Wenders, aproximou o menino do lendário músico cubano, unilateralmente é verdade.

O suingue de Chan-chan, que abre o musical produzido em 1998 pelo guitarrista americano Ray Cooder, é son suficientemente irresistível para pregar Danilo ao DVD e de lá só liberá-lo com a descida da ficha técnica do show no Carneggie Hall, de Nova York.

A notícia da morte de Máximo Francisco Repilado Muñoz, o nome de batismo de Compay, em Havana, chegou serena para Danilo. Avisado da partida do ídolo, lastimou de uma forma surpreendentemente natural: “Papai, põe o DVD pra mim!”. Depois, a pergunta: “Quem vai substituir ele no Buena Vista?

Em seguida, a suprema resignação como resposta: “Ainda bem que ainda tem o Ibrahim Ferrer”. Companheiro de Compay na vida, em discos e no filme, Ferrer é outra lenda viva da música cubana.

O lamento do menino, que acaba de fazer 5 anos, expressa bem a dimensão da genialidade na produção do músico cubano, capaz de sensibilizar seguidas gerações, dos anos 20 aos 50 – e agora, depois do lançamento de Buena Vista em CD, em 1996, predecessor do documentário homônimo de Cooder e Wenders.

Nos últimos sete anos, Compay vinha se apresentando para milhões de espectadores nas mais prestigiosas casas de espetáculo do mundo, como o próprio Carneggie Hall. O derradeiro show foi no México, em fevereiro deste ano.

Durante a redação da crônica, Danilo brinca ao redor do computador e, num vaivém interminável e ansioso, cobra de vez a conclusão do texto. Assiste pela enésima vez o filme, comenta a performance de Compay, Ferrer, Eliades Uchoa, Barbarito Torres, Omara Portuondo, Pio Leyva, Puntillita, Amadito Valdez & Cia, cantarola algumas canções e, enigmático, sentencia sobre Compay: “Nem parece que ele morreu”.

Mesmo sem saber das complicadas teorias existenciais sobre vida terrena e obra imortal, está coberto de razão.

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(Esta crônica foi escrita há 13 anos).
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Euclides Farias é jornalista, 58 anos de idade e 39 de profissão exercida no jornais Marco Zero (AP), O Liberal, A Província do Pará, Agência Nacional dos Diários Associados (Anda), Rádio Cultura do Pará, Jornal da Tarde (SP), Folha de S. Paulo. É editor de coluna no Diário do Pará.

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