Dom Pedro Conti: A maior riqueza

Certo dia, uma criança se perdeu em uma montanha. Depois de muito andar, bateu na porta de uma casa enorme, no meio da floresta. O velho que veio abrir, vendo o menino ficou surpreendido: – Andas perdido, pequeno?

 – Sim, e não sei voltar para casa.

 – Entra, então, descansa comigo esta noite e come da minha ceia. Enquanto jantavam, puseram-se a conversar.

– Eu sou – disse o velho – um sábio e quero salvar o mundo. Propus-me essa missão e está quase terminada. Descobri como se fabrica o ouro e, assim, todos os homens poderão ter um tesouro e ser felizes.

– Ouro? Para que ouro? Eu não preciso dele. Eu sou rico, meu senhor. Tenho pai, tenho mãe e até um irmãozinho. Sou muito rico de amor!

 Ao ouvir essa resposta, o velho ficou pensando. Olhou para os seus instrumentos de fazer ouro e depois para o céu. E numa voz muito doce, disse murmurando: – Tu sabes mais do que eu.

Antes de se iniciar o Tempo da Quaresma, temos alguns domingos do Tempo Litúrgico chamado “Comum”. Em geral, nos evangelhos dominicais, encontramos o início da missão de Jesus, os seus primeiros gestos e palavras e os primeiros discípulos chamados a segui-lo. Começamos com um trecho do evangelho de João. É, outro João, o Batista, que aponta o “Cordeiro de Deus” para os seus seguidores. Com isso, já entramos na “linguagem” própria desse evangelista que n os acompanhará, neste ano, nos Círculos Bíblicos da nossa Diocese. João usa palavras que somente se entendem se conseguimos fazer a ligação com as promessas e os fatos do Antigo Testamento, com referência, sobretudo, aos livros do Êxodo e dos Profetas.

Outro detalhe desse evangelho são as perguntas. Os estudiosos as contaram: são mais de 160! São perguntas de Jesus, questionamentos dos adversários, dúvidas de quem quer entender o que está em jogo. Perguntas pedem respostas, questionamentos servem para esclarecer, dúvidas para conduzir a uma decisão. É difícil ficar indiferentes na frente de uma pergunta. Se sabemos a resposta ficamos contentes. Uma luz se acende em nossa mente e em nosso coração. Se não sabemos resp onder ou nos sentimos insatisfeitos com a resposta, no mínimo, ficamos incomodados. Isso é bom também; faz-nos participar do debate, obriga-nos a olhar dentro de nós, para reconhecer a que ponto está a consciência e a vivência da nossa fé. O evangelista João quer cristãos testemunhas luminosas da verdade, mais luz que escuridão.

No trecho evangélico deste domingo duas perguntas chamam a nossa atenção. Uma é de Jesus: “O que estais procurando?”. A outra é dos dois discípulos que começaram a segui-lo: “Mestre, onde moras?”. A primeira é, sem dúvida, uma pergunta existencial, porque todos nós procuramos algo em nossa vida. A segunda revela o desejo profundo do coração humano, quando percebemos que para encontrar o que buscamos, precisamos conhecer, além da meta, tamb&eacu te;m a direção e o lugar. É nessa procura que os caminhos se confundem e podemos nos perder. Por exemplo, se buscamos as riquezas deste mundo, qual será o caminho mais fácil? Temos mestres de sobra. Mas se buscamos um sentido mais profundo em nossa vida, se deixamos sobressair a nossa sede de Deus, como conseguir encontrá-lo? Eis a resposta de Jesus: “Vinde ver”. É um convite a ficar junto dele, escutá-lo, descobri-lo. Essa “familiaridade” vale para todos nós, seres humanos sociais, para nos conhecermos, aprendermos a conviver e nos amarmos. Muito mais, tudo isto, vale para Jesus, que na sua humanidade revela a grandeza da divindade. Se queremos ser cristãos mais felizes da nossa fé, precisamos “demorar” mais com Jesus, na oração, na escuta da sua palavra, na comunidade dos irmãos. Muito depende do que realmente buscamos em nossa vida. Riqueza s, bem-estar, prosperidade, saúde…Ouro? Talvez Jesus tenha muito mais do que tudo isso para nos dar com generosidade, sem limites: ele mesmo, o seu amor sem fim. Mas será que nós o buscamos mesmo?

Dom Pedro Conti é Bispo de Macapá

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