Dom Pedro Conti: Não julgar por apenas uma estação

Um homem tinha quatro filhos. Ele queria que aprendessem a não julgar as coisas de modo apressado e, por isso, mandou cada um em uma viagem para observar uma certa amendoeira que estava plantada num lugar distante. O primeiro filho foi lá no inverno, o segundo na primavera, o terceiro no verão e o quarto no outono. Quando todos voltaram, os reuniu e pediu para que cada um contasse o que tinham visto. O primeiro disse que a árvore era feia e retorcida, morta, talvez. O segundo disse que não, ela estava recoberta de botões verdes e cheia de promessas. O terceiro filho discordou, disse que ela estava cheia de flores e o cheiro era doce e agradável. O quarto filho discordou de todos: a amendoeira estava cheia de vida e de frutos. O pai explicou aos filhos: “Vocês estão todos certos, porque viram a árvore somente numa estação de sua vida. Porém não se pode julgar uma árvore, ou uma pessoa, por apenas um momento. O amor e as alegrias da vida, como também as provações e os sofrimentos, podem ser avaliados somente ao final, quando todas as estações estarão completas. Se vocês desistirem quando for inverno, perderão as promessas da primavera, a beleza do verão e os frutos do outono.

No segundo domingo da Quaresma, encontramos sempre o evangelho da Transfiguração. Desta vez, conforme o evangelista Marcos. Em geral, entendemos esta experiência tão singular, oferecida aos três discípulos Pedro, Tiago e João, como uma antecipação da visão celestial. Um convite a não julgar Jesus pelo escândalo da cruz, mas a aguardar a glória da ressurreição. O trecho inteiro está repleto de referências ao Antigo Testamen to. A montanha, a nuvem e as tendas, lembram o caminho do povo no deserto. Foi um tempo de provações, mas também de esperanças e descobertas. O povo viveu momentos de luz e de revelações e momentos de tentações e incertezas, mas Deus sempre se revelou paciente e fiel às suas promessas. O que manteve os israelitas no caminho certo, até a terra prometida, foi o diálogo com Deus. Ele falava com Moisés e este ao povo. Demoraram quarenta anos, mas chegaram.

O que mudou, agora, e o que continua? Do lado de Deus o que mudou é que agora ele fala através do Filho amado. É a Jesus que devemos escutar, nas suas palavras e no seu agir. Ele fala com sua vida e sua morte. O que continua é o compromisso, por parte do povo, dos cristãos que somos nós, de escutar a sua voz, de entender as suas palavras e viver seguindo o seu exemplo. Esta ainda é a parte mais difícil. O Êxodo, que podemos chamar também de “caminho pascal, de m orte e ressurreição”, deve ser algo que, aos poucos, muda a nossa vida. O importante é caminhar, fazer “descer”, no dia a dia, a maravilha do amor de Deus. A visão celestial, o encontro pleno com Deus, é a meta final da nossa vida, mas desde já deve ser a luz que norteia o nosso caminhar. O “bom” já está dentro de nós, escondido no coração de cada ser humano, quando aprendemos a dar atenção aos nossos anseios de paz, alegria, amor e fraternidade, quando construímos o bem para todos e não procuramos somente riquezas materiais e passageiras.

Contudo, para nós cristãos, algo mais deve acontecer. Pelo batismo, nós já estamos em comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não estamos mais sozinhos. Escutamos a sua Palavra, alimentamo-nos com a Santa Eucaristia, experimentamos na comunidade de fé a força que vem da partilha e da comunhão fraterna. Assim deveria ser. O cristão deve espalhar ao seu redor um pouco da luz de Cristo, das suas palavras, do seu amor sem medida. De outra forma, os irm&ati lde;os, que encontramos nos caminhos da vida, não vão acreditar que subimos a montanha, encontramos o Senhor e de lá descemos para viver o que escutamos, aprendemos, descobrimos. Ser cristãos é fadigoso, mas vale a pena. É uma missão permanente. Sempre subindo ao encontro com Deus e sempre descendo ao encontro com os irmãos. Sem pressa, sem julgar vitórias e fracassos antes do tempo. Sempre animados pela esperança de brilhar, um dia, com Jesus, o crucificado ressuscitado. Ele, o amor, que venceu todo mal e pecado, que venceu a morte.

Dom Pedro Conti é Bispo de Macapá

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