O sentido das palavras

Dom Pedro José Conti - Bispo de Macapá
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

Contando as aventuras dos primeiros frades franciscanos em missão, Giordano de Giano nos diz que o grupo chegou aos vilarejos da Alemanha sem conhecer a língua. Quando lhes perguntaram se queriam hospedagem, comida e outras coisas do gênero, responderam “ja” [sim]; portanto, foram acolhidos bondosamente por alguns. Vendo que com a palavra ja eram bem tratados, decidiram sempre responder ja a todas as perguntas. Por isso, à pergunta se eram hereges e se vinham com a intenção de infectar a Alemanha tal como haviam pervertido a Lombardia [isto é a Itália], responderam novamente ja. Então, alguns foram espancados, outros encarcerados, outros despidos e conduzidos pelas ruas como exemplo, cobertos de insultos pela multidão. Visto que na Alemanha não teriam muito fruto, voltaram para a Itália. Por esse motivo, a Alemanha foi considerada pelos frades tão cruel que não ousavam voltar, se não quando inspirados pelo desejo de morrer mártires.

Podemos rir da ingenuidade dos frades. A boa vontade de evangelizar não foi suficiente. Era fundamental também conhecer a língua para se fazer entender e compreender o que o povo dizia. Dali para frente, os responsáveis cuidaram de enviar com os missionários, ao menos, um frade que falasse a língua daquele povo. Com o tempo, os outros também aprenderiam.

A Palavra ocupa um lugar privilegiado no evangelho do segundo Domingo de Quaresma. Na página da Transfiguração, Jesus aparece luminoso conversando com Moisés e Elias. Eles representam o Antigo Testamento, os livros sagrados, chamados de Lei e Profetas. Inúmeras vezes, Jesus se refere às Escrituras desta forma, sobretudo quando afirma que não veio aboli-las, mas a levá-las ao cumprimento (cf.Mt 5,17) e quando ensina os mandamentos do amor (cf. Mt 22,40). Também, da nuvem, fala a voz do Pai que diz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9,7).

Nesta altura, podemos nos perguntar qual é o lugar da Palavra de Deus em nossa vida: se acreditamos no que Ele nos falou e nos fala, se entendemos o que Ele quer nos dizer e se O escutamos confiando e praticando a sua mensagem.

Vivemos numa sociedade cheia de palavras, transformadas habilmente em chavões, imagens atrativas e afirmações propagandistas. Talvez isto seja inevitável numa realidade pluralista, onde cada grupo dá um sentido diferente às mesmas palavras. Para poder “escutar” mesmo o que o outro nos diz, precisamos entender a sua fala, confiar que queira nos dizer a verdade, manifestar os sentimentos sinceros do seu coração e abrir um diálogo conosco. Já aprendemos a malícia de certos discursos: o dizer sem explicar, o falar sem deixar claro, o conversar sem se expor. Quantas vezes rios de palavras escondem mais do que revelam, afirmam, mas não comprometem em nada. Quando alguém precisa de muitas palavras para explicar o que quer dizer, ou está fugindo da verdade ou tem medo dela. Assim, estamos esvaziando de sentido e de força as nossas próprias palavras. Ainda “damos” a nossa palavra, mas é frágil, vale pouco.

Tempo de Quaresma é tempo de escuta e escutar é também dar ouvido àquilo que está escondido dentro das palavras. Assim é da Palavra de Deus. Ela quer nos comunicar mais do que fatos ou acontecimentos, quer nos conduzir pela mão no difícil e maravilhoso caminho do amor. Jesus não somente falou de sua morte e ressurreição, antes ensinou a doar a vida, no dia a dia, a todos, começando a oferecer uma nova esperança a quem estava na morte da doença, do pecado, da falta de fé, longe do Deus verdadeiro. Só tem um jeito para compreender a “língua” do evangelho de Jesus: acreditar no amor sem medida do Pai, que envia o seu Filho e no exemplo de vida dele entregue aos pequenos e pobres. Falamos tanto de amor, mas parece que ainda estejamos precisamos de interprete, como se fôssemos estrangeiros nesta região. Quando escutaremos Jesus para aprender a falar e agir como ele?

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