João Baptista Herkenhoff: Tralhador não é lixo, não é bagaço

Quero neste artigo refletir sobre os fundamentos éticos que devem guiar o Direito do Trabalho. Inspira-me, na produção deste texto, a figura de um magistrado capixaba que foi meu aluno – Danilo Augusto Abreu de Carvalho.

Danilo foi colhido da vida muito jovem. Ele era esperança para um novo tempo da Justiça brasileira.  Tinha todas as qualidades que podem honrar um magistrado: a dignidade impoluta, a seriedade no trabalho, a retidão moral, a grandeza humana, a cultura, o amor do estudo, a responsabilidade no encaminhamento e na solução justa de todos os casos confiados a sua consciência.

Como suplemento dessas virtudes, Danilo era dotado de imensa doçura, uma capacidade infinita de sentir e vivenciar o drama e o sofrimento das pessoas. Bem humorado, sempre alegre, um sorriso espontâneo nos lábios, o olhar transparente, demonstrava seu gosto pela vida, seu idealismo, seu desejo permanente de tornar este mundo mais fraterno.

Como magistrado do trabalho, Danilo apontava, com inteligência e visão social, novos caminhos para o Direito.

Foi autor de um voto pioneiro na Justiça trabalhista do Brasil. Esse voto, portador do mais alto sentido ético, está embutido no processo n. 4071, do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo.  Nele, Danilo Augusto dá validade, no âmbito do Direito interno do país, à Convenção 185 da Organização Internacional do Trabalho. Essa Convenção só admite que o empregado seja despedido da empresa por motivo socialmente justificável. Em outras palavras: o trabalhador não é lixo, não é bagaço, seu emprego não está ao bel prazer do patrão. O trabalhador integra a empresa, é a parte mais importante da empresa.

O voto do juiz Danilo não foi grandioso apenas pela conclusão. Foi grandioso sobretudo pela motivação, pela fundamentação social e jurídica.

Na essência da questão sob exame, Danilo colocou com sabedoria:

“A Convenção 185 é a Lei Áurea do Século XX. Em 1888 libertou-se o corpo de quem produzia. Alforriemos agora seu espírito frente ao autoritarismo que, em larga escala, ainda impera na relação Capital & Trabalho”.

Sobre a timidez dos juízes em abrir caminhos novos para a jurisprudência, ponderou com firmeza e acerto:

“É incrível mas nós, juízes, talvez sejamos os que mais menosprezamos nossa capacidade criativa, nosso tirocínio, nossa aptidão em construir, caso a caso, o Justo. Queremos que nos digam, passo a passo, inciso por inciso, parágrafo por parágrafo, como nos portar, o que decidir, que caminhos trilhar”.

Noutro trecho do voto exemplar, ingressando na ética da relação de trabalho, dá um ensinamento para toda a sociedade:

“O direito potestativo de retirar de um pai de família a fonte de seu sustento é sempre defendido como liberdade essencial ao empreendimento. Teme-se retirar do empregador essa liberdade, esse poder – dir-se-ia imperial – de pôr fim à relação de emprego sem ser obrigado a declinar as razões pelas quais o faz”.

Creio que o voto citado dá o perfil do juiz. 

As sentenças de Danilo merecem a perpetuidade. Serão guia para os nossos jovens, inspiração para os cultores da Ciência do Direito.

Neste momento em que o Governo Federal pretende reduzir os direitos dos trabalhadores, a reverência à memória de Danilo é um protesto contra todos os retrocessos.

A morte causa uma dolorosa ruptura.  Mas outros vínculos, outras esferas nos dão a certeza da continuidade da vida.  Ficamos aqui à espera do Encontro Definitivo. Naquela dimensão, reinará a Justiça e a Paz, valores que a vida de Danilo testemunhou em cada manhã de sua breve, mas iluminada existência.

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