Vereadores aprovam lei fundiária para regularizar moradias em Serra do Navio

A Câmara de Vereadores de Serra do Navio aprovou, no último dia 3 de julho, o Projeto de Lei 003/2018 definindo as normas para a implantação da sua política pública de regularização fundiária, tornando-se a primeira cidade amapaense, das 16 existentes, a ter um marco legal para nortear o acesso à terra e à moradia em áreas tombadas como patrimônio histórico e consolidar uma referência metodológica a ser compartilhada na Amazônia Legal e no Brasil. O projeto de lei aprovado possui quatro capítulos, 15 artigos e segue para a sanção e regulamentação do Poder Executivo serrano, cujo modelo de decreto elaborado pela Comissão de Regularização Fundiária da Universidade Federal do Pará (CRF-UFPA) foi entregue ao Poder Executivo do município em abril deste ano.

Gabriel Outeiro, consultor jurídico da CRF-UFPA, afirma que aprovação do projeto de lei consolida um trabalho realizado em equipemultidisciplinar nos últimos anos e ressalta a importância da aprovação de uma legislação amazônica garantindo a regularização de imóveis pertencentes ao patrimônio municipal em nome das famílias.  “A legislação efetiva a garantia do direito constitucional à moradia para as presentes e futuras gerações, cria as bases institucionais para a gestão do solo urbano, para o desenvolvimento local e protege e preserva o patrimônio histórico arquitetônico e urbanístico tombado”, assinala. Ficaram estabelecidos, também, direitos, deveres e os procedimentos para assegurar o cumprimento das normas de preservação da cidade tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que conta, ainda, com a parceria da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp).

CONCESSÃO – Segundo o consultor, o projeto de lei aprovado estabelece que a regularização da moradia será efetuada por meio de Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), assegurando ao beneficiado a cessão de direito real de uso, onerosa ou gratuita, por tempo indeterminado, desde que ele cumpra as exigências documentais e legais.  A outorga gratuita para pessoa natural será efetivada para quem tenha ingressado no imóvel objeto de regularização antes de 11 de fevereiro de 2009, desde que o beneficiário atenda as condições estabelecidas na lei. “A legislação fundiária serrana é um marco, se soma ao projeto de tombamento e promove avanços na gestão de um território que antes era gerido como uma cidade-empresa de gestão privada, onde todos eram funcionários, e agora se vive numa cidade aberta e cidadã, em que todos serão beneficiados com a segurança jurídica da moradia e corresponsáveis pela preservação do patrimônio tombado”, comenta.

Entre as condições para garantir a moradia, Gabriel Outeiro, o beneficiário deve possuir renda familiar mensal inferior a cinco salários mínimos e ocupe a área de até 1000 m² sem oposição, pelo prazo ininterrupto de, no mínimo, um ano. O beneficiário deve utilizar o imóvel como única moradia ou como meio lícito de subsistência em regime de economia familiar, exceto locação ou assemelhado. Além disso, o beneficiário fará declaração de próprio punho reconhecendo que não é proprietário ou possuidor de outro imóvel urbano ou rural, nem seu cônjuge, em todo território nacional, e ficará sujeito às penalidades legais nas esferas penal, administrativa e civil. “Os contratos e registros efetivados serão formalizados, preferencialmente, em nome da mulher, alerta.

O projeto de lei aprovou que nos casos de outorgas onerosas, precedida de licitação, será dado o direito de preferência àquele que a comprove a ocupação, por um ano ininterrupto, sem oposição, até 10 de fevereiro de 2009, de área superior a 1.000m² e inferior a 5.000m². “Nas situações não enquadradas nestes dois pontos citados, o projeto aprovado observa que outorga onerosa poderá contemplar àquele que comprove a ocupação, por um ano ininterrupto, sem oposição, até 10 de abril de 2015, de área até 250m² de uso comercial, vedada sua utilização para aluguel ou assemelhado, dispensada a licitação conforme art. 17, I, alínea h, da Lei Federal 8.666/93. Haverá também outorga onerosa, por meio de licitação, conforme esta mesma legislação”, detalha consultor.

GESTÃO – Conforme aprovado pelos vereadores, o Executivo Municipal não poderá celebrar mais de dois contratos de CDRU por unidade familiar. A concessão terá por objeto o terreno e a edificação, nos casos de imóveis tombados, ou apenas o terreno, quando a edificação tiver sido realizada exclusivamente pelo ocupante. Em até 10 anos ininterruptos do contrato de CDRU, o beneficiado poderá solicitar a sua conversão em título de domínio pleno, desde que tenha cumprido com os deveres de conservação do imóvel e as cláusulas estabelecidas na CDRU. Os imóveis que apresentarem no momento da regularização o nível de preservação de acordo com as regras do tombamento já receberão o título de domínio pleno, alertou.

No caso de outorga onerosa, segundo Gabriel, o beneficiário poderá solicitar o título de domínio pleno desde que tenha efetuado todos os pagamentos devidos. Estes recursos serão geridos por um fundo municipal específico para a preservação da cidade, cuja proposta será encaminhada pela CRF-UFPA para os gestores da prefeitura. O consultor chamou atenção, ainda, para o fato de que a CDRU será extinta se o beneficiário der ao imóvel uso diverso do permitido na lei e não possibilitar a vistoria do imóvel pelos gestores do município e do Iphan, mediante combinação prévia de dia e hora marcados.

RISCOS – Entre 4 e 6 de julho, Érica Laina, assistente social da CRF-UFPA, realizou reunião com os membros do Grupo de Trabalho Municipal de Serra do Navio (GTM-SN), no gabinete do Executivo serrano, abordando os desafios sobre o recolhimento e a conferência documental das famílias beneficiadas e esclareceu sobre os próximos passos de execução do Projeto.  Na ocasião, o consultor jurídico da CRF-UFPA informou aos membros do GTM-SN que a análise processual não prosseguiu o recolhimento e à conferência documental nos processos administrativos das famílias, uma vez que ação exige a presença da consultoria jurídica da prefeitura, o que não aconteceu, e será necessário reorganizar uma nova viagem e outra etapa da regularização.

Outro ponto crítico é a demora do licenciamento ambiental do projeto de parcelamento do solo da cidade junto ao Instituto de Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do Amapá (IMAP).  Maria do Carmo Silva, coordenadora técnica do Projeto, esclarece que, de acordo com a Lei 13.465/2017, quando o município não dispuser de órgão ambiental capacitado para realizar análise e aprovação de estudos ambientais por não dispor em seus quadros ou ter à sua disposição profissionais com essa atribuição técnica, o licenciamento deverá ser feito pelo órgão estadual, no caso o IMAP. Maria explica que em maio passado foram repassadas à Prefeitura as orientações necessárias para executar esse procedimento, cabendo ao município apenas formalizar a solicitação, o que até o momento não ocorreu. “Sem o licenciamento ambiental não se registra o projeto de parcelamento do solo no cartório de Serra do Navio, o que impede o registro dos títulos e a conclusão do processo da regularização beneficiando as famílias”, assevera.

Além disso, Maria do Carmo alertou, criticamente, que o Contrato de Doação das Terras entre a SPU e a prefeitura ocorreu em dezembro de 2016 e os 312 hectares de terras correspondentes à área da sede municipal foram registradas, definitivamente, no dia 6 de março de 2018 no Cartório de Registro de Imóveis da Vila de Serra do Navio. “O contrato de doação estabelece condicionantes com relação a prazos para a regularização das moradias em nome dos moradores. Não podemos colocar em risco estes avanços fundiários e os Termos de Execução Descentralizada (TED), firmados entre o Iphan-AP e a CRF- UFPA, para dar suporte ao município na execução das ações de regularização, cujo término está previsto para setembro próximo. Não é sensato perder todo o trabalho e a produção de conhecimentos nestes anos, que representam um investimento público considerável, além de se tratar de uma experiência exitosa e referenciada na Amazônia Legal”, finaliza.

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