Documentário revela riqueza de acervo do Museu da Pessoa
Obra foi selecionada para Mostra de Cinema de São Paulo
Camila Boehm
O documentário Pessoas – Contar para Viver, produzido a partir do acervo do Museu da Pessoa, foi um dos selecionados para a Mostra Brasil da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que está sendo exibido na capital paulista na última semana. Entre as 18 mil histórias do acervo, o filme selecionou algumas como a de Amir Klink, que cruzou o Atlântico de canoa; Sinair, garimpeiro desde os 11 anos; Tula Pilar, empregada doméstica que se tornou poetiza; e Kaká Werá, que se descobriu indígena no momento em que entrou para a escola.
“O desafio era: o que motiva um museu para que colecionasse histórias de vida, um museu digital, virtual; e o que essas histórias impactam na nossa forma de olhar para o mundo e olhar para o nosso país. Esse era o primeiro ímpeto de interesse”, disse Minom Pinho, produtora do documentário, sobre a ideia de criação da obra.
Os documentaristas Marcelo Machado, Marco Del Fiol, Pedro Cezar, Tatiane Tofolli e Viviane Ferreira propuseram releituras e recortes autorais a partir das vidas de brasileiros que foram documentadas e integram o acervo do museu.
Minom contou que um dos objetivos do filme é ecoar a ideia de que essas histórias de vida podem mudar o jeito de se ver o mundo. “Você vai encontrar lá relatos da vida de indígenas. Quantas pessoas já pararam para escutar uma pessoa indígena? Relatos de histórias de vida de professor que é trans. Você tem história de vida do Amir Klink, do que o motivou e das relações dele com o pai. Tem a história de vida da poeta Tula Ferreira, que faleceu no ano passado, contando como foi o processo de vida dela, o que a ligou à poesia”.
A fundadora e diretora do Museu da Pessoa, Karen Worcnan, avalia que o filme é um grande marco para a instituição. “São cinco documentaristas que mergulharam nesse acervo, cada um escolheu um olhar, cada um escolheu histórias do acervo. Para construir esse olhar, são artistas. É muito importante, porque não adianta você ter um acervo e guardá-lo como um arquivo, essas histórias só fazem sentido se chegarem no público e a linguagem do cinema e desses documentaristas enriqueceu muito o olhar que a gente pode ter para um pedaço desse acervo”.
A diretora disse que o acervo do museu são histórias de vida. “O museu tem mais de 18 mil histórias e a gente percebe o potencial que essas narrativas, essas histórias das pessoas, podem ter para mostrar realidades e experiências muito diferentes dentro da sociedade brasileira”, disse.
Ampliar visões
Para a produtora Minom Pinho, os relatos que fazem parte do acervo ampliam as visões estereotipadas que, muitas vezes, se tem sobre determinados assuntos e podem ajudar a entender o Brasil diverso a partir de histórias humanas com as quais o público consegue se identificar e se emocionar. Ela conta que o filme reúne uma série de emoções, ele é engraçado, triste, trágico. “São 90 minutos muito saborosos por causa disso. É tão instigante como é a vida das pessoas”.
O depoimento de cada entrevistado do museu “vai se dando a partir de um relato absolutamente humano e afetivo”. “O que acontece ali é que você vive experiências, é um grande mergulho em várias histórias de vida contadas de forma absolutamente profunda, cortante, emocionante, alegre. Quer dizer, essa miríade de coisas que a gente guarda, que se guardam dentro de cada história de vida no final das contas”, disse a produtora.
Com a grande diversidade de acervo, as histórias e as memórias puderam revelar também um pouco da história do país. “Como você compreende essas suas memórias, isso se cruza obviamente com a história do Brasil, cruza com a história de imigrações, histórias indígenas, histórias negras, até porque os museus também tem essa diversidade de opções. Tem tanto pessoas superfamosas registradas quanto pessoas comuns, de todas as classes sociais. Tem muitos povos brasileiros que são invisibilizados ao longo da história, então o museu também traz isso”, disse a produtora.
O documentário ajuda ainda a refletir sobre o momento de polarização do Brasil atualmente, segundo Minom. “O que é que a gente consegue fazer de diálogo a partir de histórias absolutamente humanas de vários brasileiros vindos de vários lugares? Tem um garimpeiro, tem reflexo da ditadura, porque tem pessoas que passaram por processo de tortura e estão lá dando seu depoimento também, tem um apanhado histórico do Brasil contado de um jeito que é pela história dos seus habitantes”, disse.
Fundado em 1991, o museu nasceu da ideia de que as histórias de vida de todas as pessoas são fundamentais para se entender a sociedade em que se vive. “Não existe nada mais importante do que a gente ouvir o outro e perceber que as experiências são muito diversas, mas que elas todas podem traduzir melhor a sociedade no presente. Então a ideia de construir uma história a partir da experiência de todas as pessoas foi uma forma de reconstruir e criar um espaço de reconstrução da história do Brasil”, disse a diretora Karen Worcnan.
EBC