Concentração de metais na foz do Rio Doce aumentou após tragédia, aponta estudo
Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) fizeram um estudo para comparar a situação ambiental da foz do Rio Doce antes e depois da tragédia de Mariana (MG). De acordo com resultados apresentados, foi constatada a presença do dobro de ferro, quatro vezes mais de alumínio e três vezes mais manganês do que havia no local antes da chegada da lama de rejeitos.
A tragédia de Mariana ocorreu em novembro de 2015, quando houve o rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco. Foram liberados no ambiente mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que provocaram devastação da vegetação nativa, poluição da Bacia do Rio Doce e destruição de comunidades. Dezenove pessoas morreram. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do país.
A foz do Rio Doce fica no distrito de Regência, que integra o município de Linhares (ES). A análise de suas águas envolveu oito pesquisadores, incluindo geólogo, físico, biólogo, oceanógrafo e químico e resultou em um relatório final de 260 páginas. A pesquisa levou em conta materiais coletados ao longo de um ano. Durante esse período, oito amostras colhidas foram analisadas. A média dos resultados encontrados foi comparada com dados de estudos feitos antes do rompimento da barragem.
Enviado ao ICMBio
Linhares (ES) – A lama vinda das barragens da Samarco com rejeitos de mineração seguem ao longo do leito do Rio Doce em direção à sua foz, localizada em Regência, Linhares (Fred Loureiro/Secom ES)
A pesquisa mostrou que a tragédia de Mariana também afetou o ecossistema na foz do Rio Doce
Fred Loureiro/Arquivo/Secom ES
De acordo com o geólogo Alex Bastos, que integrou a pesquisa, o relatório final foi apresentado na última semana de junho ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. “É muito importante o envolvimento das universidades neste tipo de estudo e monitoramento, para que tenhamos minimamente uma fonte de informação científica que a sociedade considere mais imparcial e livre de questionamentos”, disse.
Os pesquisadores também fizeram uma análise da população de plânctons na foz do Rio Doce. Foi constatada que a diversidade de espécies de zooplânctons teve redução de 40%. Também houve uma grande diminuição na abundância e no número de espécies dos fitoplânctons, microalgas da base da cadeia alimentar.
“O trabalho que desenvolvemos buscou entender o ecossistema, o ambiente como um todo. Não é só medir os teores de metais, mas também compreender o impacto. Por isso nós analisamos a comunidade planctônica, que é a base da cadeia alimentar e reflete a alteração da química do ambiente”, disse Bastos. Segundo o pesquisador, ainda não é possível precisar o quanto essa situação pode impactar no nível superior da cadeia alimentar, que incluem os peixes.
Segundo o ICMBio, o estudo servirá de base para articular novas ações no Rio Doce. O órgão também informa que vai compartilhar o relatório com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturáveis Renováveis (Ibama), a Agência Nacional de Águas (ANA), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Estadual do Meio Ambiente do Espírito Santo (Iema).
Saúde humana
Na opinião de Bastos, a poluição na foz do Rio Doce pode gerar impactos na saúde humana que só vão surgir daqui a quatro ou cinco anos. “O risco existe, porque o metal está depositado ali. Quando a água é captada e tratada, é menos complicado. Agora onde temos pessoas usando água do rio diretamente, precisa haver um trabalho de informação por parte do poder público”, avalia.
Tanto o ferro como o manganês são elementos essenciais à vida humana e devem ser ingeridos em determinada quantidade, enquanto o alumínio não tem função no organismo do homem, mas os três são considerados tóxicos em caso de excessos e podem trazer riscos à saúde.
Dos três elementos, o manganês é o que poderia trazer mais problemas para o homem, de acordo com Marcus Vinícius Polignano, médico e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “É um metal pesado que, em excesso, pode causar efeitos neurológicos. Ele pode entrar no sistema nervoso e as pessoas apresentarem sintomas parecidos com Parkinson”, diz.
No entanto, Polignano acredita que não há pessoas usando a água diretamente do Rio Doce. “Em princípio, ninguém deve beber aquela água sem tratamento. Hoje as estações de tratamento são capazes de controlar essas variáveis, desde que os parâmetros não estejam excepcionalmente fora dos padrões”, disse.
Linhares (ES) – A lama vinda das barragens da Samarco com rejeitos de mineração seguem ao longo do leito do Rio Doce em direção à sua foz, localizada em Regência, Linhares (Fred Loureiro/Secom ES)
A água na foz do Rio Doce pode gerar impactos na saúde humana, segundo pesquisadores
Fred Loureiro/Arquivo/Secom ES
Abastecimento
De acordo com a ANA, há 273 outorgas federais em vigor para o uso das águas do Rio Doce. No entanto, a Portaria 2.914/2011 do Ministério da Saúde dispõe sobre os padrões de potabilidade que devem ser observados pelas empresas e companhias responsáveis pelo tratamento e distribuição da água para consumo humano.
No distrito de Regência, a captação no Rio Doce chegou foi interrompida após a tragédia e os moradores chegaram a ter problemas com o abastecimento de água. Como solução temporária, a comunidade foi atendida por caminhão-pipa. Atualmente, é realizada uma coleta em poço artesiano e posterior tratamento em uma estação móvel. O restante do município de Linhares é abastecido com água do Rio Pequeno, um afluente do Rio Doce.
Outra preocupação em relação à saúde humana está ligada ao consumo de peixes que habitam as águas contaminadas. Por esta razão, por decisão da Justiça Federal, a pesca está proibida nos municípios capixabas de Linhares e Aracruz.
Outro lado
Procurada, a Samarco orientou à Agência Brasil fazer contato com a Fundação Renova, instituição responsável pela gestão das ações de reparação dos danos da tragédia. Mantida com recursos fornecidos pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billinton, a fundação teve sua criação definida em acordo firmado entre as mineradoras, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, no qual se estimou um investimento da ordem de R$ 20 bilhões ao longo de 15 anos para a reparação dos danos.
Em nota, a Fundação Renova disse considerar fundamentais as pesquisas que ajudem a mapear os impactos da tragédia e auxiliem na definição das medidas de reparação em andamento. A instituição informou que possui um monitoramento sistemático em 28 pontos na foz do Rio Doce, no qual também foram registrados aumento nos teores de ferro, manganês e alumínio, corroborando as análises apresentadas pela Ufes. “Todos os resultados desses estudos são protocolados periodicamente junto aos órgãos ambientais”, diz o texto.
A instituição informa ainda que um monitoramento específico de biodiversidade foi iniciado em abril no Rio Doce e a análise da região costeira, incluindo Regência, terá início neste semestre. “O mapeamento abordará desde microrganismos aquáticos [plânctons] aos peixes, passando por moluscos e crustáceos. Especificamente para o monitoramento das tartarugas marinhas, foi celebrado um contrato com a Fundação Pró-Tamar. Ao todo, serão monitorados 156 quilômetros da costa do Espírito Santo”, finaliza a nota.
Agência Brasil