STF vive crise histórica e juristas apontam causas em ilegalidades
Abertura de inquérito pelo STF, sem ser provocado, para investigar supostas fake news contra seus integrantes arranha imagem da corte perante outros poderes e é criticada por especialistas
Isabella Couto
Órgão máximo do Judiciário no país, o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros parecem estar vivendo o pior inferno astral de sua história.
Em uma semana encurtada pelo feriado, mas suficiente para desgastar a imagem perante a opinião pública, os ministros se viram diante da retomada pelo Senado da discussão sobre a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Tribunais Superiores, batizada de “Lava Toga”, e a ameaça de pedidos de impeachment dos ministros Dias Toffoli, presidente do STF, e Alexandre de Moraes, por crime de responsabilidade e abuso de autoridade.
Em sua conta no Twitter, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, afirmou: “Cumpro minha decisão de votar em plenário a CPI dos Tribunais Superiores. Fiz esse comunicado na sessão do plenário de ontem (16). Entendo que caberá ao próprio plenário a decisão final sobre a criação da CPI”.
Juristas ouvidos pelo Estado de Minas apontam que o Supremo estaria legislando em causa própria no episódio de fake news envolvendo seus membros.
O ápice da crise é o inquérito aberto por Dias Toffoli para investigar supostas notícias falsas contra os ministros. Na terça-feira, o presidente da Suprema Corte resolveu ignorar o arquivamento determinado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e ainda prorrogou por mais 90 dias as investigações.
Na segunda-feira, os sites das revistas Crusoé e O Antagonista foram notificados para retirar do ar reportagem e nota envolvendo menções a Toffoli pelo empresário Marcelo Odebrecht – decisão tomada por Alexandre de Moraes a pedido de Toffoli, no âmbito do inquérito aberto no STF.
Na avaliação de juristas consultados pelo EM, o Supremo vem colecionando ilegalidades nos últimos dias. A começar pela instauração do inquérito dentro do próprio STF – ou seja, o mesmo órgão que vai investigar, vai julgar a causa.
Pelas normas do direito brasileiro, a prerrogativa dessa função é do Ministério Público ou da polícia. Outro ponto é que a prerrogativa de função – que determina o foro de onde um processo vai tramitar – é determinada pelo réu, e não pela vítima. Ou seja, se os investigados não têm foro privilegiado, o inquérito teria que tramitar em primeira instância. Detalhe: o STF ainda não detalhou quem são os alvos do inquérito.
“Esse é um momento de perigo e risco a algumas instituções que já estão consolidadas há algum tempo. Essa questão envolvendo o Supremo e a decisão da procuradora-geral é uma ameaça à democracia, à liberdade de imprensa, garantias e funções já definidas pela Constituição Federal”, afirma o vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Manoel Murrieta.
A Conamp encampou o mandado de segurança ajuizado no STF pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) para que seja suspensa a portaria que instaurou o inquérito que investiga crimes de opinião contra ministros e habeas corpus coletivo para anular mandados de busca e apreensão cumpridos na terça-feira e impedir novas diligências.
Houve ainda um terceiro ato que causou estranheza ao meio jurídico. A entrega da relatoria do inquérito para o ministro Alexandre de Moraes – quando a prática nos tribunais é que o relator seja escolhido por sorteio.
“A abertura de inquérito do modo como se deu, a censura à imprensa seguida de uma ‘operação’ de busca e apreensão, culminando com a rejeição do arquivamento do inquérito postulado pela PGR, provavelmente formam o pior conjunto de decisões que minha geração já viu ser tomada por ministros do Supremo Tribunal Federal”, lamenta o advogado e professor de processo penal, Bruno Cesar Gonçalves da Silva.
Duas medidas tomadas por Alexandre de Moraes – retirada do ar da matéria da revista Crusoé e determinação de buscas e apreensões realizadas contra pessoas que criticaram o STF em redes sociais – foram criticadas.
CONTROVÉRSIA COM O MPF O advogado e professor de direito e processo penal Yuri Sahione, lembra que o objetivo do inquérito é formar indícios de autoria e materialidade para o Ministério Público propor a abertura ou não de uma ação penal.
Pela legislação penal, se o MP pede o arquivamento e o juiz não concorda, o caso é enviado à Procuradoria-Geral de Justiça avaliar se deve ser arquivado ou não. No caso da Procuradoria-Geral da República, não há como haver essa discussão em instância superior, já que é PGR é o “chefe do MP”.
“A controvérsia é que segundo a jurisprudência do STF, se a PGR recomenda o arquivamento de um inquérito, o ministro é obrigado a acatar”, afirma. Vale lembrar que a procuradora-geral Raquel Dodge nem chegou a analisar o mérito das investigações, já que ainda nem passou pelo Ministério Público.
O argumento dela para o arquivamento é que a competência para conduzir o inquérito e pedir medidas cautelares, como a busca e apreensão de documentos, é do MP. Dodge argumentou ainda que apenas um sistema “inquisitorial” permitiria ao juiz acumular as funções de acusar, processar e julgar.
Em resposta ao documento encaminhado por Raquel Dodge, Alexandre de Moraes alegou que o arquivamento pedido não tem “qualquer respaldo legal”, é “intempestivo” e se baseia em “premissas absolutamente equivocadas”.