Na COP 26, painel de mulheres convoca sociedade para construir novos rumos para a Amazônia
Em lançamento internacional de documento da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, grupo fala sobre a importância da mobilização coletiva para criação de novo modelo de desenvolvimento para a região, que abandone velhas soluções e dê protagonismo aos povos da floresta
Em uma mesa simbólica, formada por quatro mulheres no dia dedicado à temática do gênero na COP 26, a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia lançou ontem o documento “Uma Agenda pelo Desenvolvimento da Amazônia”. A conferência do clima, que acontece em Glasgow desde o dia 31 de outubro, termina na sexta-feira, dia 12.
A ideia de que o futuro do Brasil passa pela Amazônia e de que ele só poderá ser construído de forma coletiva foi uma das principais mensagens do evento. A região é chave para o enfrentamento da crise climática e deve ser vista como solução, não como problema para o País. Mas a construção de um modelo de desenvolvimento para o território amazônico, que conserve suas riquezas naturais, culturais e sociais, precisa envolver governos, empresas, setor financeiro e organizações da sociedade civil. E exige novas lentes, trazidas por grupos que, por muito tempo, ficaram de fora dos processos de decisão, como mulheres, jovens e povos originários.
Participaram do debate Samela Sateré-Mawé, comunicadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e fellow do Instituto Arapyaú; Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé; e Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade. A mediadora foi Renata Piazzon, gerente do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto Arapyaú e secretária-executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.
“Não há como falar sobre questões ambientais e crise climática sem levar em consideração os principais defensores do meio ambiente, que são os povos indígenas”, afirmou Samela Sateré-Mawé. Ela é uma das integrantes da maior delegação de indígenas brasileiros na história das COPs, com cerca de 40 representantes de etnias de todos os biomas do país, que conquistou espaço inédito na conferência.
Samela, que também faz parte do movimento de jovens Fridays for Future, lembrou que os povos indígenas são os primeiros a serem afetados pelas mudanças climáticas, por conta das alterações que afetam plantio e colheita, e pelas causas dessas mudanças, como desmatamento, grilagem de terras e garimpo ilegal, que impactam seu modo de viver e a saúde de suas crianças.
Para ela, a construção de um modelo de desenvolvimento para a Amazônia começa pelo respeito à cultura, à identidade e às especificidades dos povos indígenas. “Se me perguntam como devem trabalhar com esses povos, digo que é nos protagonizando enquanto donos do território. Tragam-nos para os espaços de tomada de decisão”, afirmou. “Nada por nós, sem nós.”
Izabella Teixeira reforçou essa importância da construção de um modelo de desenvolvimento de forma conjunta a partir de agora. “A Concertação traz essa perspectiva, de unir pessoas em busca do novo. As soluções do passado não têm futuro se quisermos uma Amazônia – um Brasil – de outro jeito, com novos valores. E as novas gerações já traduzem bem isso em seu dia a dia”, afirmou.
Ela também destacou que, após a COP 26, que busca aparar as últimas arestas do Acordo de Paris, todos terão muito a fazer em seus países. “É evidente que não basta mais falar só entre governos. A sociedade terá que estar preparada para se engajar, tomar decisões e se responsabilizar por elas”, disse Izabella.
Ilona Szabó, por sua vez, destacou que não será possível avançar no desenvolvimento da Amazônia sem que se resolvam questões centrais, como a criminalidade, que envolve desmatamento, garimpo ilegal, tráfico de drogas e de animais. “Precisamos de uma operação regional para vencer as redes que estão por trás disso, e dos governos federal, estaduais e municipais para uma melhor governança do comando e controle”. Reforçou, ainda, a importância da rastreabilidade das cadeias produtivas para que o setor privado contribua nesse enfrentamento.
Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, lembrou que a Concertação nasceu porque, por muito tempo, os brasileiros de fora da Amazônia deram as costas para a região. Por outro lado, uma pesquisa recente mostrou que 97% dos brasileiros concordam que a floresta amazônica faz parte da identidade nacional, afirmou. “Mas a gente, como sociedade, demorou a acordar e a priorizar esse tema.”
Dia dedicado à temática do gênero na COP 26
A terça-feira, 9 de novembro, na COP 26, teve como uma das temáticas do dia a questão do gênero.
Mulheres e meninas sofrem de forma desproporcional os impactos do clima, pois são, na média global, mais pobres, menos educadas e mais dependentes da agricultura de subsistência. Há uma percepção de que é preciso incentivar o empoderamento das mulheres para solucionar a crise climática.
Alok Sharma, presidente da conferência, destacou a importância do papel feminino nessa busca por soluções. “Sabemos, a partir dos nossos esforços para enfrentar as mudanças climáticas, que estes se tornam mais efetivos quando trazemos mulheres e meninas para o centro.”
Um olhar sobre as diferentes amazônias
O documento “Uma Agenda pelo Desenvolvimento da Amazônia”, lançado pela Concertação, propõe que é preciso entender e abraçar a complexidade e a diversidade do bioma para que se possa buscar soluções para o seu desenvolvimento.
Para isso, aborda a região a partir de quatro grandes agrupamentos: áreas conservadas; áreas em transição, que estão em processo de conversão não consolidada – o chamado “arco do desmatamento”; áreas convertidas (o uso do solo é voltado para agricultura e pecuária); e as cidades. Para cada uma, são propostas ações específicas e concretas que promovam a melhoria da qualidade de vida, a valorização da cultura e identidade das populações da região e atividades econômicas que não impactem a floresta em pé.
Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú e um dos fundadores da Concertação, ressaltou no início do evento que a iniciativa buscou, desde o princípio, ouvir os vários grupos que vivem ou têm interesse na Amazônia. “A participação e construção conjunta do documento nos levou a abraçar a complexidade da região”, afirmou. Lembrou, porém, que o documento precisa ser constantemente revisitado e revisado. “Vamos manter o fervor da conversa, para que a sociedade participe deste debate sobre a Amazônia, que é cada vez mais importante para a nossa identidade como país e para o mundo.”
Sobre a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia
É uma rede de pessoas, entidades e empresas formada para buscar soluções para a conservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Hoje, reúne mais de 400 lideranças engajadas em criar um espaço democrático onde as dezenas de iniciativas em defesa da Amazônia se encontrem, dialoguem, aumentem o impacto de suas ações e gerem novas ações em prol da floresta e das populações que vivem na região.