Desmatamento encurrala chuva na Amazônia
Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
Há tempos os cientistas intuem que o desmatamento altera o padrão de chuva na Amazônia. Um quarteto de pesquisadores dos Estados Unidos acaba de mostrar de que forma isso acontece. Em estudo publicado nesta segunda-feira (20), eles mostram que, em grandes áreas desmatadas, chove mais de um lado e menos do outro, de acordo com a direção do vento. Essa mudança pode ter consequências sérias para o clima da Terra – e para a agropecuária na região Norte.
O grupo liderado pela física indiana Jaya Khanna, da Universidade Princeton (hoje na Universidade do Texas em Austin), chegou a essa conclusão após analisar 30 anos de dados de um lugar pródigo em grandes áreas desmatadas: o Estado de Rondônia, que já perdeu mais de 50% de suas florestas.
Analisando informações de satélite e cruzando-as com medições feitas em campo e modelos de computador, Khanna e colegas mostraram que o sudeste de Rondônia está em média 25% mais seco nos meses de “verão” amazônico (a estação seca), enquanto o noroeste deve um aumento equivalente nas chuvas nestas últimas três décadas. O trabalho está na edição on-line do periódico Nature Climate Change.
Segundo os pesquisadores, a devastação foi tão extensa que alterou o próprio mecanismo de precipitação no Estado: no lugar da chuva amazônica tradicional, na qual a umidade é inicialmente trazida do Atlântico e a chuva é reciclada pela evaporação que ocorre nas próprias árvores, instaura-se um novo regime, no qual a precipitação é empurrada pelo vento por sobre a área desmatada e a floresta na sua borda.
O resultado é que a barlavento (“vento abaixo”, ou seja, no sentido do deslocamento do vento) chove mais, enquanto a sotavento (“vento acima”) fica mais seco.
“É um mecanismo semelhante, mas não equivalente, ao que acontece quando o mar bate num rochedo na praia”, diz Khanna. Segundo ela, a diferença de altura entre os dois tipos de vegetação – a floresta alta e o pasto baixo – faz com que o ar suba, o que causa o aumento da nebulosidade e da precipitação no noroeste do Estado na estação seca. “O oposto, o afundamento do ar e uma redução nas nuvens e na precipitação, é esperado no sudeste – algo similar, mas não equivalente, a uma cachoeira.”
O curioso é que nem sempre foi assim. No passado, quando predominavam pequenos desmatamentos (de cerca de 1 km) em Rondônia, a quantidade de precipitação aumentou. Isso tem a ver com o calor irradiado pelas clareiras, que subia por convecção e, no alto, se encontrava com a umidade evaporada dos remanescentes florestais. Isso favorecia a condensação.
Até hoje essa dinâmica é percebida em locais da Amazônia onde dominam os pequenos desmatamentos.
Quando as porções desmatadas cresceram para 200 quilômetros de extensão ou mais, no entanto, a situação mudou. A “bomba d’água” representada pelas árvores deixou de existir. No palavreado dos cientistas, a circulação deixou de ser “termodinâmica” (ou seja, induzida pela evaporação) para ser “dinâmica”. “Mesmo que essa chuva seja deslocada para outro lugar, você está encurralando a chuva”, diz Ane Alencar, pesquisadora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
“Os modelos de computador já mostravam que desmatamentos grandes reduziam a chuva. O pulo do gato deste estudo é que ele propõe um mecanismo pelo qual isso acontece”, diz o físico Paulo Artaxo, da USP. Ele é autor de comentário ao estudo na mesma edição da Nature Climate Change.
Segundo Artaxo, o trabalho de Khanna e colegas é “muito relevante”, porque permitirá agora entender exatamente o que acontece em outras regiões da Amazônia que já sofreram desmatamento extenso, como Mato Grosso. De agora em diante, diz, será possível alimentar modelos computacionais com esse processo para prever o que acontecerá localmente em várias situações de desmatamento.
“Entender o mecanismo desses processos é chave para Brasil”, diz Artaxo. “Por exemplo: o meio-oeste brasileiro vai ter a mesma produtividade de soja?”
O cientista da USP e seu colega americano Jeffrey Chambers, da Universidade da Califórnia em Berkeley, também mostram-se preocupados com o que acontecerá com o carbono das florestas que sobraram na metade seca dessa equação. No limite, ele pode acabar na atmosfera, agravando o aquecimento global. “O sistema não é linear. Se num lugar que tem 2.000 milímetros de chuva você passar a ter 3.000 o fluxo de carbono não muda. Mas, se na área seca a precipitação cair abaixo de um limiar, você mata a floresta.”
“O aumento de 25% [na chuva] no noroeste (ou queda no sudeste) da Rondônia desmatada pode ter consequências para a vegetação nessas regiões, seja pasto ou floresta, e pode resultar em mudanças na vegetação dominante e no tipo e frequência dos incêndios no sudeste”, diz Khanna. “Isso deve ser investigado em estudos futuros.”
Continue lendo no site O Eco