Mestre Lourival Igarapé apresenta seu trabalho autoral no Arraial de Todos os Santos
“A vida se acabando. As fontes todas secando, sem ter água pra beber.
Mas um dia a terra gira para o lado do bem. Faz nascer novas sementes na cabeça dessa gente que não pensa em ninguém. É aí que a coisa muda, toda muda terá vida, toda muda terá sol e faz girar um girassol”. É o que diz um dos trechos da música “Queimadas” do mestre de carimbó, Lourival Igarapé. Em tempos sombrios para os defensores da Amazônia, a canção é um grito pela natureza. Foi gravada por Nazaré Pereira e pela banda Lauvaite Penoso e costuma virar coro nas rodas de carimbó pela cidade. O autor completa, no próximo mês, 71 anos de vida ao mesmo tempo em que lança seu primeiro EP com 12 músicas. No dia 03 de julho, às 21h, no Arraial de Todos os Santos que está sendo realizado na Fundação Cultural do Pará (FCP)/Centur o público poderá assistir o terceiro show de circulação desse projeto totalmente autoral.
O Arraial de Todos os Santos reúne em uma programação diversa apresentação de quadrilhas, pássaros juninos, boi, grupos de carimbó entre outras atividades que pertencem à quadra junina. A participação do mestre no evento foi realizada através do prêmio Folguedos, promovido pelo governo do estado do Pará. Mestre Lourival foi contemplado pela primeira vez na categoria carimbó. Aliás, a participação de vários mestres de carimbó e grupos tradicionais na edição de 2022 foi resultado da mobilização dos carimbozeiros e ativistas da cultura popular que se articularam em prol de mais vagas para os fazedores de cultura na premiação, como explica a produtora do show, Cris Salgado.”Eram 25 vagas para os grupos Parafolclóricos e apenas 12 para os grupos de carimbó. E aí nós fomos na FUMBEL e apresentamos estatísticas da Região Metropolitana onde existem mais de 40 grupos. Antes quem conseguia entrar era apenas um grupo seleto. Esse aumento de vagas possibilitou a apresentação de muitos mestres, incluindo o Lourival”, explica.
Na estreia no palco do Arraial de Todos os Santos Lourival revela o que o público pode aguardar nesse show. “Podem esperar muita música autoral e com uma galera nova, empolgada, nós vamos para conquistar o público”, revela Lourival. A banda que acompanha o mestre nos show é composta carimbozeiros da nova geração da cena belenense como Luciane Bessa, Yago Martins, Cris Salgado, Priscila Duque, Ariel, Índio Moreno, Sheetara das Maracas. Esta é uma das características do autor de Queimadas: a preocupação com um futuro sustentável está presente nas letras compostas e na trajetória desse carimbozeiro.
O EP lançado no final do ano de 2021 contou com a participação de 32 carimbozeiros de distintas gerações como Ney Lima Pela Paz , parceiro do mestre em Queimadas, Hugo Caetano (Falsos do Carimbó) em Flores para Iemanjá e Priscila Duque (carimbó Cobra Venenosa) na faixa Mistura de Terreiro. A canção “Pajezinho” é um alerta de que “água sumiu sumiu”. “Chuva de Sapo” é uma observação do cotidiano do mestre que presenciou no seu quintal o reencontro de um casal de sapos.
A preservação do meio ambiente não é a única preocupação do mestre Lourival Igarapé. Com o intuito de preservar o carimbó, o carimbozeiro criou a primeira escola de carimbó da região metropolitana, que está se reestruturando e precisa de ajuda financeira. Localizada no Paracuri, na casa do mestre, cerca de 20 crianças são envolvidas nas atividades culturais e aulas dos instrumentos presentes no carimbó como o banjo e o curimbó.
Apesar da Escola de Treinamento Carimbó Lourival Igarapé estar temporariamente fechada, o mestre afirma que as portas estão abertas para quem quiser aprender carimbó. ” Eu tô dando aula bem voluntária. Eu observo uma pessoa que está aprendendo e o que puder dar um empurrãozinho, eu dou. Eu tenho uma emoção muito grande em transmitir. Faz parte da minha história e para que ela continue eterna”, declara Lourival Igarapé.
Trajetória
Lourival Monteiro Barros é conhecido como Lourival Igarapé devido às suas origens. Cresceu em Igarapé Açú e nasceu na comunidade do Caripí, localizado em Maracanã, município que pertence à região do salgado ,território reconhecido pela potente produção do carimbó. Chegou em Belém apenas na década de 70. Após inúmeras profissões como a de mecânico de carros, a música só veio após os 40 anos e a trajetória como compositor se iniciou a partir dos 55 anos. “Essa comunidade, que é meu berço, era repleta de cultura popular . Meu pai era de passáro , toada, estava tudo ali. Meu pai era descendente da etnia curubus”, revela o mestre.
Na década de 90, Lourival Igarapé vai morar em Icoaraci. O primero grupo que participou foi o GETAM que hoje se chama Balé Folclórico da Amazônia (BEFAM). O mestre é construtor de instrumentos e iniciou a carreira como maraqueiro. Gravou com o grupo Curimbó de Bolso. Passou pelos grupos Choro do Pará, Sabor Marajoara e Grupo Paidégua.