Artigo: A cicatriz   

Dom Pedro José Conti 

Bispo de Macapá 

Certa tarde, uma criança saiu com o pai para passear pelas ruas da cidade. De repente, passou um senhor bem forte. Parecia um barril e tinha dificuldade para caminhar. Vendo isso, a criança riu tolamente e disse ao pai: 

– O senhor viu como é engraçado aquele homem. É tão gordo que nem consegue caminhar. 

O pai não gostou das palavras do filho. Porém ficou um instante calado e depois disse:

– Sabe, eu nem reparei. Olhei no rosto dele e vi que estava sorrindo. Depois de mais um tempo de silêncio, o pai continuou: 

– Quando você encontra uma pessoa, não deve parar no seu aspecto físico. Olha no rosto dela: lá poderia encontrar um presente para você.

Mais tarde, voltando para casa, cruzaram novamente com aquele senhor. Desta vez, a criança levantou o olhar e viu que o homem tinha uma cicatriz no rosto na altura de um dos olhos. Entendeu logo que não podia enxergar bem. Quando lhe desejou “boa tarde”, o homem, em resposta,  sorriu-lhe com tanta alegria e gratidão que a luz daquele sorriso, por um instante, fez desaparecer a horrível cicatriz.

O evangelho de Marcos do 30º Domingo do Tempo Comum nos apresenta a cura de Bartimeu, um mendigo cego que não se conforma com a sua cegueira e grita a Jesus para que lhe dê a vista. É uma página exemplar e o evangelista Marcos cuidou de muitos detalhes que precisamos reconhecer. Bartimeu não enxerga nada e está sentado no chão à beira do caminho, mas ele está atento, escuta muito bem e percebe a passagem de Jesus. Imediatamente, ele chama a atenção de todos gritando o nome de Jesus acompanhando-o com um título real “Filho de Davi” e pedindo piedade. Não sabemos se foi esse título messiânico ou os gritos do cego que incomodaram os muitos que “o repreendiam para que se calasse”. No entanto, Bartimeu continua gritando, manifesta, assim, a grande esperança que ele tem naquele homem que, para os outros, é simplesmente alguém que vem de Nazaré. Jesus percebe tudo isso e manda chamar o cego. Os enviados dizem para ele: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!”. São palavras cheias de sentido. Quem é chamado por Jesus deve ter a coragem de responder e estar disposto a mudar algo da sua vida. Bartimeu atende imediatamente.  Levanta-se dando um pulo e ainda joga o manto – talvez a capa com a qual se defendia do frio – que representa, porém, nesse caso, a sua situação anterior, quase uma segurança ou acomodação da qual ele, agora, se desfaz. À pergunta de Jesus: “O que queres que eu te faça?”, Bartimeu não titubeia, responde: “Mestre, que eu veja!”. De novo, o mendigo manifesta a sua confiança total e escuta palavras reveladoras: foi a fé dele em Jesus que o curou. Final do episódio: Bartimeu recupera a vista e não vai mais ficar parado, porque é um homem “novo”, livre da doença, por isso “segue” Jesus “pelo caminho”. 

Nos atos dos Apóstolos, a vida cristã dos seguidores de Jesus é chamada de “Caminho” (At 9,2). A mensagem dessa cura é clara, sobretudo se lembrarmos que o evangelho de Marcos quer ajudar todos aqueles que escutam falar de Jesus a tomar a decisão de acreditar nele para o invocar, ser libertos das amarras que os prendem e segui-lo como cristãos conscientes e felizes. Bartimeu representa, portanto, todos aqueles e aquelas que querem encontrar Jesus, que não se satisfazem com uma fé morna, sem força, sem a coragem de gritar e de se levantar. Os que querem fechar a boca de Bartimeu lembram aqueles que, aparentemente, estão na multidão que segue Jesus, mas não fazem nada para mudar as situações de exclusão e de sofrimento de tantos irmãos que sobrevivem às margem da sociedade. No fundo, não acreditam que a fé e o amor possam mudar profundamente as pessoas. Há também os intermediários, aqueles que emprestam a sua voz a Jesus para que ele possa continuar a chamar, são aqueles e aquelas que sabem despertar vocações e ajudam a encontrar a coragem da resposta. Todos devemos aprender a olhar melhor as pessoas, mais ainda se elas se apresentam desfiguradas pelas lutas da vida. Nelas precisamos reconhecer Jesus. Todo gesto de amor dado e recebido, por pequeno que seja, é sempre belo e luminoso.

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