Bibliotecas comunitárias criam leitores por meio de uma relação transformadora com os livros e se tornam espaços de convivência e transformação

Em um país que perde leitores ano após ano, é preciso oferecer espaços acolhedores, de pertencimento, de escuta e de cuidado para incentivar novos leitores
 

Estimular o gosto pela leitura e o acesso aos livros é uma preocupação que ocupa profissionais de educação, pesquisadores e formuladores de políticas públicas. No Brasil, o cenário é preocupante. Segundo a sexta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada mês passado pelo Instituto Pró-Livro, o país perdeu impressionantes sete milhões de leitores de 2019 para cá. O Brasil hoje tem mais gente que não lê do que o contrário. E, apesar de que 43% da população brasileira se declare leitora, o percentual dos que leem livros inteiros cai para apenas 27%. Há um problema essencial de formação: 38% dos brasileiros afirmam que não leem por não compreender o que leem.
 

Crédito: Voluntários das bibliotecas implantadas Castanhal (PA), Fotos: Kléber José Jr.

Um dos caminhos possíveis para a transformação desse cenário é a criação de bibliotecas comunitárias que, muito além de um espaço que reúna e abrigue livros, funcionem como espaços de convivência e compartilhamento de saberes. Essa é uma das premissas que orientam o trabalho da Vaga Lume, organização social que implanta bibliotecas em comunidades rurais da Amazônia Legal brasileira e promove o acesso à leitura. Já são 95 bibliotecas comunitárias, distribuídas por 23 municípios em 9 estados. Desde 2001, quando iniciou suas atividades, a ONG já doou mais de 177 mil livros, formou mais de 5 mil mediadores de leitura e impactou mais de 110 mil crianças e jovens.
 

Essa visão da biblioteca como um espaço de transformação social vai justamente na contramão do cenário desenhado pela pesquisa, que aponta que apenas 7% enxergam a biblioteca como um local de convivência comunitária. A maioria (59%, contra 56% em 2019) vê as bibliotecas exclusivamente como um espaço de pesquisa e estudo — jamais uma possível opção de lazer no tempo livre. Em 2007, 67% dos entrevistados percebiam a existência de uma biblioteca pública por perto; em 2024, o percentual caiu para 45%. A pesquisa tratou tanto de bibliotecas públicas, aquelas mantidas com recursos estatais, como de bibliotecas comunitárias, que são mantidas por uma comunidade responsável.
 

“Uma das coisas que vemos, com preocupação, é que cada vez mais as crianças leem por obrigação e menos por prazer. A questão não é como fazer as pessoas lerem mais, mas sim como trabalhar a leitura como algo prazeroso”, diz Lia Jamra, Diretora Executiva da Vaga Lume. Essa percepção está claramente demonstrada na pesquisa: de 2019 a 2024, a leitura entre crianças no Fundamental I caiu de 49% para 40%, e o percentual de leitores entre 5 e 10 anos — tradicionalmente uma faixa etária que sempre teve índices mais elevados — caiu de 71% para 62%.
 

“Percebemos que as crianças e jovens estão abandonando o hábito da leitura muito cedo, mas observamos um cenário diferente nas bibliotecas da Vaga Lume, pois a nossa metodologia conta, além da estrutura da biblioteca, com mediadores de leitura e engajamento comunitário. E isso faz toda a diferença, tanto que, apenas em 2023, registramos mais de 64 mil empréstimos de livros. Se todas as bibliotecas fossem, em sua essência, comunitárias como os espaços da Vaga Lume, acredito que os números de quantidade de leitores seriam muito maiores”, observa Lia.
 

A pesquisa também mostra que mulheres (14%) e professores (11%) são os grandes influenciadores do gosto pela leitura. A ausência de uma figura que incentive a leitura, aliás, foi apontada pela esmagadora maioria dos não leitores: 85%. Já 55% das crianças de 5 a 13 anos disseram que gostariam que os pais ou algum adulto lessem para elas. Esses dados mostram como é fundamental que os pais estimulem a leitura como diversão, não apenas pela importância da leitura em si.
 

É notório, ao mesmo tempo, que as profundas desigualdades sociais que formam o Brasil tornam o acesso aos livros algo desafiador — muitas famílias simplesmente não têm condições de comprar livros. Isso faz com que a formação de professores como mediadores de leitura ganhe ainda mais relevância, para desenvolver o gosto pela leitura em crianças e jovens, mostrando que livros podem ser divertidos e que uma comunidade inteira pode se formar em torno deles. “O trabalho da Vaga Lume se mostra essencial para contribuir com a melhoria dos indicadores recentes apontados pela pesquisa, além de representar um caminho importante para repensarmos e fortalecermos o incentivo à leitura”, finaliza Lia.
 

Sobre a Vaga Lume

Criada há 23 anos, a Vaga Lume está presente em 23 municípios da Amazônia Legal com 95 bibliotecas comunitárias em funcionamento e mais quatro em implantação. Desde 2001 já doou 177 mil livros e formou mais de 5 mil mediadores de leitura, voluntários que leem para as crianças, trabalho esse que já impactou a vida de 110 mil crianças e jovens. O seu propósito é empoderar crianças e jovens de comunidades rurais da Amazônia por meio da leitura e da gestão de bibliotecas comunitárias, promovendo intercâmbios culturais com a leitura, a escrita e a oralidade para ajudar a formar pessoas mais engajadas na transformação de suas realidades.
 

Em 2023, a Associação Vaga Lume foi eleita pela terceira vez, sendo duas consecutivas, a Melhor ONG de Educação do Brasil pelo Prêmio Melhores ONGs do Instituto Doar. No mesmo ano foi contemplada pelo novo prêmio United Earth Amazônia, na categoria ESG, da sigla em inglês Environmental, Social, and Corporate Governance (Ambiental, Social e Governança) e, também, foi uma das organizações selecionadas em todo o mundo para receber uma doação da filantropa MacKenzie Scott. Em 2022 foi vencedora do Prêmio Jabuti na categoria Fomento à Leitura. Conheça o mini documentário Vaga Lume no YouTube e acesse o site da associação.

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