Desarmamento: defendendo o indefensável

A inexplicável insistência de alguns setores na manutenção do estatuto do desarmamento, mesmo diante de resultados incontestavelmente negativos em sua aplicação.

Fabricio Rebelo é pesquisador em segurança pública e bacharel em direito
Fabricio Rebelo é pesquisador em segurança pública e bacharel em direito

Nem bem começaram os trabalhos da Comissão Especial encarregada de analisar, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.722/12, que substitui o “estatuto do desarmamento”, os defensores da legislação atual já disparam sua artilharia contra qualquer alteração na lei. O discurso não é novo, lastreado na tese de que armas não oferecem segurança e na rotulação dos deputados favoráveis à proposta como a “bancada da bala”, supostamente financiada pela indústria armamentista. O que não se vê nessa articulação, contudo, é a abordagem técnica do assunto.

Enquanto os defensores do desarmamento se prendem a nítidos embates ideológicos, numa fomentada guerra de rótulos midiáticos entre os “da bala” e os “da paz”, astutamente se esquivam do confronto estatístico, especialmente no quadro criminal brasileiro antes e depois do estatuto que tanto defendem. E isso tem indiscutível razão estratégica.

Desde que apresentado o PL 3.722/12, obra do deputado catarinense Rogério Peninha Mendonça (PMDB), as discussões sobre a segurança pública no país vêm se tornando mais abertas e com maior participação. Com isso, a defesa técnica da legislação atual se tornou cada vez mais inviável, eis que não há um único indicativo que permita lhe atribuir sucesso, e isso mesmo em se considerando apenas os dados oficiais.

O fato que a guerra ideológica busca camuflar é que, depois do estatuto do desarmamento, os índices de criminalidade no país pioraram. Os números do Mapa da Violência, que recebem a chancela do Ministério da Justiça, são claros: nos nove anos já computados após a vigência do estatuto (2004 a 2012), a taxa média de homicídios no Brasil foi de 26,80 a cada 100 mil habitantes, acima dos 26,44 por 100 mil dos nove anos anteriores a ele (1995 a 2003). Registre-se que a análise é da taxa, ou seja, a proporção de mortes intencionais dentro do universo populacional, computada sua evolução.

Se apenas esse dado já joga por terra qualquer cunho positivo do estatuto do desarmamento, outro o sepulta de vez. Pelo mesmo Mapa da Violência, que traz o indicador dos homicídios com armas de fogo até o ano de 2010, elas foram usadas, após a lei atual, em 245.496 dos 346.611 casos de homicídio registrados no período (2004 a 2010), ou seja, depois do estatuto as armas de fogo estiveram presentes em 70,83% dos homicídios. Antes dele, paradoxalmente, o número era significativamente menor, eis que de 1997 a 2003 (mesmo período de sete anos) as armas de fogo foram usadas em 211.562 dos 319.412 homicídios registrados, ou 66,23% do total.

A defesa da legislação atual, desse modo, nitidamente ignora os indicadores objetivos pelos quais se alcança a compreensão do quadro de violência no país. Defender o estatuto do desarmamento é defender uma lei cuja vigência corresponde a um aumento na taxa média de homicídios e a um ainda mais expressivo aumento no uso de armas de fogo para cometê-los. Impossível, então, não indagar: o que justifica defender o indefensável?

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