Ex-deputado é preso em operação da Polícia Federal
Um suposto esquema de desvio de verbas dos Ministérios da Agricultura e do Turismo foi o foco da operação Remenda, da Polícia Federal (PF), na manhã de hoje (15) no Recife. Foram cumpridos mandados em Pernambuco, Ceará, Distrito Federal e Rio de Janeiro.
De acordo com a Polícia Federal, as emendas parlamentares custeavam convênios firmados entre 2010 e 2011 pela Organização Não Governamental (ONG) Instituto Brasil de Desenvolvimento Institucional (Ibdi) e os ministérios.
Pelo Ministério do Turismo foram repassados R$ 3 milhões para a realização de cinco vídeos de promoção do turismo em municípios de Pernambuco.
Já com o Ministério da Agricultura, os seis contratos eram para a criação de planos de negócios para arranjos produtivos locais de fruticultores em seis estados, no valor de R$ 1,2 milhão.
A suspeita de irregularidades nos convênios surgiu a partir de uma fiscalização de rotina da CGU. “Como é de praxe, nosso trabalho procurou a sede do instituto [Ibdi], a gente já viu que não tinha como uma estrutura do Ibdi ter capacidade de executar os projetos do Ministério da Agricultura”, explicou o chefe da CGU em Pernambuco, Victor de Souza Leão.
Mecanismo
O Ibdi subcontratava outras empresas para a realização da ação prevista no contrato. Ao fiscalizar outras empresas, a CGU encontrou instituições que nunca existiram ou que tinham dois ou três funcionários, apenas para “fingir que funcionavam. Uma delas, a Rede Vida, tem os mesmos funcionários do Ibdi, ou seja, o repasse de dinheiro era feito deles para eles mesmos”, disse o superintendente da Polícia Federal em Pernambuco, Marcello Diniz Cordeiro..
Em uma segunda fase da fiscalização da CGU, ao analisar convênios firmados com o Ministério do Turismo, constatou-se que a sede do Ibdi já não estava em funcionamento. “A organização desapareceu”, explica Souza Leão.
A suspeita dos órgãos envolvidos na operação é que o ex-deputado Charles Lucena seja o intermediador do desvio. Segundo a Polícia Federal, existem provas de que o dinheiro acaba na conta de ex-assessores de Lucena. “E temos fortes indícios de que a ONG já estava pré-selecionada para receber recursos. Tem que ser feito processo de seleção pública, o que não foi cumprido”, acrescenta o chefe da CGU.
A falha na execução dos serviços contratados também é apontada pela Polícia Federal como um indício de irregularidade. Um dos exemplos citados pela PF é a criação de seis manuais que integram o plano de negócios dos arranjos produtivos contratado pelo Ministério da Agricultura junto ao Ibdi.
“Cada manual foi contratado por R$ 39 mil para cada estado [onde o convênio foi contratado], mas são todos iguais. Ou seja, só precisaria de um manual”, disse o superintendente da Polícia Federal. O próprio plano de negócios, também igual para todos os estados envolvidos, continha plágio de outros documentos disponíveis na internet, informou a PF.
A Polícia Federal foi acionada pela CGU para rastrear recursos. “Seguimos o dinheiro até constatar que, depois do dinheiro passar por tantas contas, ele volta às mesmas pessoas, diretores das ONGs, e, inclusive, um assessor do ex-parlamentar acusado”, revela o titular da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Recursos Públicos, da Polícia Federal, Wagner Menezes.
Um dos ex-dirigentes do Ibdi mora em Brasília, onde foi cumprido um mandado de prisão temporária e outro de busca e apreensão. No Rio de Janeiro, um mandado de busca e apreensão teve como alvo a casa de um ex-assessor do ex-deputado Lucena. “Hoje, foram coletados documentos que não haviam sido obtidos na primeira fase das investigações. O objetivo é chegar a novos nomes e desvios”, resume o delegado da PF. A Justiça Federal já determinou a apreensão de bens, como veículos, no valor de R$ 700 mil.
No total, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão, cinco de prisão temporária (mais dois foram solicitados, mas ainda não tinham sido executados) e um de prisão preventiva em Pernambuco, Ceará, Distrito Federal e Rio de Janeiro.Também estão sendo cumpridos quatro mandados de intimação para depoimento dos investigados, cujos nomes não foram divulgados pela PF.
Os crimes investigados são formação de quadrilha ou bando; peculato ou apropriação indébita de recursos públicos; e lavagem de dinheiro. A pena, caso os suspeitos sejam condenados, é de 1 a 12 anos de prisão.
Ministérios falharam, diz CGU
De acordo com o chefe da CGU em Pernambuco, não se descarta a participação de funcionários dos ministérios no esquema. “É possível, isso tudo está sendo objeto de investigação para identificar a parcela de culpa de cada um”, informou Souza Leão.
É que os ministérios precisam confirmar se a organização que vai receber os recursos pode atender ao convênio. “O ministério tem dois papeis. Antes de celebrar o convênio ele precisa ver se a ONG tem condições de executar aquele objeto. E o segundo é fiscalizar a execução do objeto. Não é simplesmente repassar o dinheiro”, detalha Souza Leão.
Segundo a CGU, especificamente com relação ao Ministério da Agricultura, no momento em que houve parecer favorável [do ministério] dizendo que o Ibdi tinha condições de executar o convênio, o estatuto da ONG não previa o tipo de atividade contratada.
O chefe da CGU afirma, ainda, que somente em uma data posterior foi feita uma ata e se alterou o estatuto acrescentando a informação.
“A princípio, o parecer é falho. Se ele [o Ministério da Agricultura] aprovou o repasse a uma ONG que não tinha condições de executar, é falho. No segundo momento, na hora de aprovar a prestação de contas, ele reprovou. Então, pode-se dizer que ele atuou a posteriori, mas atuou. Mas na hora de aprovar o convênio houve falha”, disse.
Ex-deputado diz ser inocente
O advogado Francisco de Lacerda, que integra a defesa do ex-deputado Charles Lucena, afirmou que o investigado é inocente. “Ele fez os devidos esclarecimentos, deixou clara a sua inocência e aguardamos com serenidade que seja revista essa prisão temporária de cinco dias. A única participação dele seria na aprovação das emendas e nada mais, beneficiando suas bases. Qualquer outro desvio é alheio à vontade dele e não seria da competência dele”, declarou.
A defesa de Lucena também negou que ele tenha qualquer ligação com o Ibdi. O instituto tem uma página na internet onde constam os contatos telefônicos da ONG. A ligação dá sempre ocupada para o telefone divulgado. Por e-mail, a Agência Brasil buscou contato, mas até a publicação da matéria não obteve resposta.
O ex-deputado, que é médico, foi preso em um dos hospitais onde faz plantão. Ele foi levado à sede da Polícia Federal em Pernambuco no início da manhã. O depoimento, de acordo com o advogado, durou cerca de 1h30. Um mandado de busca e apreensão também foi cumprido na casa de Lucena.
Ele foi deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), já foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) por abuso de poder econômico e político durante campanha eleitoral de 2006, quando foi candidato ao cargo. Acabou sendo declarado inelegível por três anos. A decisão transitou em julgado em 2008.
Em 2010, quando se candidatou novamente a deputado federal, teve a candidatura impugnada pelo TRE-PE, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permitiu que fosse diplomado como suplente.
A última eleição a que concorreu foi para vereador, pelo Partido Trabalhista Brasileiro, em 2012. Lucena não foi eleito e declarou à Justiça Eleitoral, à época, R$ 0 como o valor de bens que possuía.
Sumaia Villela – Correspondente da Agência Brasil Edição: Kleber Sampaio