Dom Pedro José Conti: ‘Ainda há muito tempo’
Certa vez, um rei organizou esplêndido festim. Para a alegre e feliz reunião convidou muitos dos seus súditos, mas não assinalou a hora em que deviam comparecer. Os mais perspicazes e previdentes vestiram, desde logo, seus trajes finos, adornaram-se com suas joias de maior realce e aguardaram pacientes o momento em que deviam ser recebidos no palácio do príncipe. Os tontos pensavam: – Ainda há muito tempo -, e se entregavam descuidados a seus insensatos caprichos. De improviso, soou a hora do festim e uns e os outros correram para a régia morada. O príncipe avistou os precavidos, que estavam decentemente vestidos e preparados, e os recebeu com alegria. Atentou, irrit ado, nos tontos, indecorosos e desasseados, e os expulsou de sua presença.
Essa história está no Talmude, livro dos judeus de explicação e comentário às Sagradas Escrituras. É fácil conferir a semelhança com a parábola de Jesus que encontramos no evangelho deste domingo. Na parábola, porém, as personagens são dez moças, cinco previdentes e cinco imprevidentes. Na espera do noivo, para entrar na festa do casamento, todas dormiram. As lâmpadas se apagaram. Quando o noivo chegou, somente as previdentes, que tinham trazido óleo de reserva, conseguiram acender novamente as lâmpadas e, assim, entrar na festa do casamento. A porta fechou e as imprevidentes, que tinham ido comprar o óleo, ficaram de for a.
Estamos nos últimos domingos do ano litúrgico e também concluindo a leitura do evangelho de Mateus. Jesus tinha prometido voltar, mas não disse quando. Nos evangelhos ficaram maneiras diferentes de entender a volta do Senhor. Alguns o aguardavam num curto prazo de tempo e interpretaram a destruição do Templo de Jerusalém como o sinal da brevidade deste tempo. Outros, com o passar dos anos, a morte dos apóstolos e dos seus imediatos sucessores, começaram a entender que as palavras de Jesus, mais que marcar uma data, indicavam a maneira de esperar o encontro com ele. Devia ser uma espera vigilante, atenta e ativa. Não seria um simples transcorrer do tempo.
A vida passa para todos. O fim dela é algo inevitável, não depende da nossa vontade. O que está ao nosso alcance, portanto, não são os prazos e nem a possibilidade de parar o tempo. O que nos cabe é decidir como gastar o tempo da nossa passagem neste mundo. Podemos passar os anos “dormindo” ou na ilusão de ter sempre muito tempo à nossa frente, ou… é aqui que se propõe a mensagem de Jesus. A vida é algo que não pedimos, mas também não é um castigo ou um destino pré-fixado fora do nosso alcance. A vida, apesar de toda a sua complexidade, é a possibilidade que temos de fazer algo, que tenha um sentido para n ós e, possivelmente, também para aqueles que as circunstâncias nos fizerem encontrar. Tem sempre uma “chama” que pode dar sentido à vida, em qualquer lugar e em qualquer situação, é a chama do amor. O segredo, porém, é manter essa chama acesa, dando amor, mais do que o recebendo, oferecendo alegria, mais do que a cobrando dos outros. Mas, se a chama do amor se mantém viva somente se for comunicada, por que, na parábola do evangelho, as moças previdentes não partilharam o óleo com as imprevidentes? Talvez seja por que cada uma e cada um de nós tem a sua parte de amor para dar e somente serve se a pessoa decide como usar esse tesouro.
Na infância, todos recebemos afeto, carinho e proteção. Depois, já no tempo da juventude, a nós é dada a possibilidade de tomar consciência do valor do amor e do sentido da vida. Podemos gastar muitas energias somente conosco, para aproveitar das forças que nos parecem inesgotáveis. Mas podemos, também, administrar bem esse enorme potencial de amor. Podemos decidir como e com quem fazer algo de bom, de útil, como tornar a vida mais bonita e feliz para tantos outros. Podemos, enfim, todo dia aprender a amar. Também com os cabelos brancos. A chama não acabará. Mas será sempre algo muito pessoal, porque o tempo da vida e a capacidade de amar serão sempre e somente nossos, únicos, intransferíveis.