Com alta letalidade, sepse é a doença que mais mata em UTIs
Estudo nacional indica que mortalidade é elevada tanto no sistema público como no privado
Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp
O Brasil tem uma taxa extremamente alta de morte por sepse em UTIs, superando até mortes por acidente vascular cerebral e infarto nessas unidades. Segundo levantamento organizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas), a cada ano morrem mais de 230 mil pacientes adultos nas UTIs em decorrência da doença. A estimativa é sombria, 55,7% dos pacientes internados com sepse vão a óbito.
Os dados são do primeiro estudo nacional de pacientes com sepse atendidos em UTIs, que teve os resultados publicados na revista Lancet Infection Diseases. O trabalho é resultado de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP.
A sepse é desencadeada por uma resposta desregulada do organismo na presença de um agente infeccioso. O sistema de defesa passa a combater não só esse agente, mas também o próprio organismo, gerando disfunção dos órgãos. Tanto as infecções de origem comunitária (40% dos casos) como aquelas associadas à assistência à saúde (60%) podem evoluir para sepse.
“A prevalência de 30% de sepse não é considerada tão alta. Ela já havia sido identificada em estudos anteriores. Já a mortalidade por sepse no Brasil é altíssima, principalmente pelo fato de ser uma doença passível de prevenção em grande parte dos casos”, disse Flávia Machado, professora do Departamento de Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva da Unifesp e coordenadora da pesquisa.
“A vacinação pode prevenir sepse comunitária. As estratégias de controle de infecção hospitalar podem prevenir parte da sepse hospitalar. São medidas simples e a falta delas mostra que o sistema de atendimento à saúde não está bom”, disse.
O levantamento identificou que, embora a qualidade de atendimento varie muito de uma instituição a outra, não foi encontrada diferença significativa entre a taxa de mortalidade no sistema público (56%) e privado (55%). No geral, dos 420 mil casos tratados por ano, 230 mil terminam em morte.
Para chegar a esses dados, os pesquisadores dividiram as UTIs do país em 40 estratos, de acordo com fatores como região geoeconômica, tamanho das cidades e se as instituições eram públicas ou privadas. O resultado foi a coleta de dados de 227 instituições, ou 15% de todas as UTIs brasileiras.
“Fizemos uma mostra randômica das UTIs brasileiras. Isso foi válido, pois toda vez que se fazia pesquisa em sepse no Brasil – e não conheço nenhum outro estudo brasileiro que tenha feito a amostragem dessa forma – perguntava-se se a instituição queria participar da pesquisa, o que gerava uma amostra enviesada, provavelmente com as melhores instituições apenas. A taxa de letalidade resultava em 40% e não de os 55,7% que encontramos”, disse Machado.
Uma série de fatores leva ao resultado sombrio do tratamento da sepse nas UTIs brasileiras, como falta de acesso às UTIs, diagnóstico tardio, demora do paciente na busca por serviço de saúde, tratamento inadequado, problemas de processo e falta de recursos.
Vale ressaltar que a doença, quando detectada precocemente, é relativamente simples de ser tratada, necessitando basicamente da administração de antibióticos, fluidos e do monitoramento do paciente na UTI e da análise de cultura bacteriana.
“O acesso à UTI é um definidor de letalidade”, disse Machado. Ela explica que estudos baseados apenas em pacientes internados em UTIs apresentam taxas de letalidade que podem variar bastante de um país para outro conforme o número de leitos disponíveis em relação à população do país.
“Quando a disponibilidade de leitos é alta, isso implica um maior número de pacientes menos graves admitidos nas UTIs, consequentemente com menor letalidade. Já em países como o nosso, onde a disponibilidade é baixa, sobretudo no sistema público, somente pacientes mais graves tendem a ser admitidos nas UTIs, com consequente aumento da letalidade”, disse.
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