Produtividade da cana-de-açúcar pode aumentar em consórcio com milho no Cerrado
No setor sucroenergético é comum considerar o etanol de milho como um concorrente direto do proveniente da cana-de-açúcar. Pesquisa em andamento conduzida pela Embrapa mostra o contrário. É possível obter benefícios e até aumentar a produtividade da cana-de-açúcar via uma técnica de consórcio com o milho. Ao mesmo tempo pode-se intensificar a produção de milho em áreas já ocupadas por cana solteira. Resultados de experimentos conduzidos na Embrapa Cerrados (Planaltina- DF) apontam para maior produtividade da cana-de-açúcar de ano consorciada com milho. A cana-de-açúcar solteira, plantada em março de 2016, produziu 114 TCH (Toneladas de Colmos por Hectare), enquanto que a produtividade da cana de ano consorciada, plantada em novembro de 2015, foi de 127 TCH. A produtividade do milho não foi afetada pelo consórcio.
Com esses dados preliminares pesquisadores das unidades Embrapa Cerrados, Milho e Sorgo (Sete Lagoas- MG), Meio Ambiente (Jaguariúna- SP) e Agropecuária Oeste (Dourados- MS) aprovaram, este ano, projeto de pesquisa no Portfólio Sucroalcooleiro Energético da Embrapa. Durante três anos serão feitas avaliações nas regiões de Goiás (Embrapa Cerrados), de São Paulo (Milho e Sorgo e Meio Ambiente) e Mato Grosso do Sul (Agropecuária Oeste). A equipe do projeto espera ter um protótipo da tecnologia implantado em escala de talhão no ano agrícola de 2019. “Modificações no atual sistema de produção de cana-de-açúcar são necessárias para que o sistema consorciado seja operacional em nível de talhão. Essa é uma questão importante e estamos atentos nas pesquisas”, afirma o pesquisador da Embrapa Cerrados Kleberson Souza.
Impacto maior na cana de ano – o consórcio com milho impacta mais na cana de ano, plantada no início do período chuvoso e, assim, denominada porque é colhida em um ano. Quando a cana-de-açúcar de ano é plantada, apesar da disponibilidade de água e temperaturas adequadas, a brotação e crescimento inicial da cultura são lentos. “Quando a cana de ano sai da fase inicial de brotação, e começa o crescimento exponencial, já terminou o período chuvoso. Nesse caso a cultura entra no período seco com elevada área foliar e grande demanda por água, reduzindo sua produtividade ao ser colhida ao final do período seco”, explica o pesquisador da Embrapa Cerrados João de Deus Santos Jr.
O prejuízo na produtividade alcança também as socas seguintes. A melhor estratégia para contornar esse problema é plantar a cana-de-açúcar de ano e meio, no final do período chuvoso entre os meses de janeiro a abril. Isto proporcionaria adequado teor de água no solo e temperatura para uma brotação rápida e baixa evapotranspiração da cultura durante os meses seguintes de déficit hídrico. Com o sistema radicular mais desenvolvido, a cultura da cana-de-açúcar terá no próximo período chuvoso a possibilidade de maximizar a utilização da água e da radiação solar. Embora a cana-de-açúcar de ano e meio seja a mais indicada, não é possível renovar os canaviais apenas no final do período chuvoso e, por isso, o sistema de plantio de cana-de-açúcar de ano é necessário para atingir a meta de renovação anual de canavial de cada usina, em maior ou menor grau. Outra consequência dos plantios de cana-de-açúcar no início do período chuvoso (cana de ano), considerando o espaçamento largo (1,5m) adotado no cultivo, é o de expor o solo a risco de erosão.
Aumento da produtividade – por meio do consórcio da cana-de-açúcar e milho é possível antecipar o plantio de cana-de-açúcar do final do período chuvoso (cana de ano e meio) para o período em que é plantada a cana de ano (início do período chuvoso), alterando, portanto, o ciclo de ano para de ano e meio. Quando consorciada com milho no início do período chuvoso, a cana-de-açúcar apresenta excelente brotação, porém, paralisa o crescimento devido à competição por luz. Somente retoma o perfilhamento e crescimento após a colheita do milho no final do período chuvoso. “A cultura é plantada antecipada, mas fica em modo de espera até o final do período chuvoso. Ou seja, a cana é plantada como se fosse cana de ano, mas se comportará como uma cana de ano e meio”, ressalta João de Deus Jr.
O produtor, como frisou o pesquisador, por uma questão de logística de plantio, pode optar por aumentar sua área de cana-de-açúcar de ano e meio intensificando os plantios de cana-de-açúcar de ano consorciada com milho, sem os problemas inerentes ao cultivo da cana-de-açúcar de ano. “Isso intensifica a produção de milho em áreas já ocupadas pelo plantio de cana-de-açúcar solteira, mitigando a questão de prioridade entre alimentos e energia no uso da terra”, complementa João de Deus. “Com a utilização da cultura intercalar do milho, o problema de erosão também é minimizado pois o solo é rapidamente coberto pela área foliar de ambas as culturas”, destaca.
Renovação de canaviais – de acordo com a pesquisadora Nilza Patrícia Ramos, da Embrapa Meio Ambiente, a renovação dos canaviais com a tecnologia da consorciação da cana-de-açúcar e milho é excelente opção para as usinas flex, nas quais o milho é utilizado para a produção de etanol. “Estudos da Embrapa Meio Ambiente evidenciam o bom desempenho econômico e ambiental das usinas flex”, afirma a pesquisadora.
Do ponto de vista ambiental, os resultados da integração da cana-de-açúcar e milho para as usinas flex não comprometem o desempenho do etanol produzido, tanto pela ótica do balanço energético quanto pela redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
As emissões de GEE evitadas podem chegar a 70% neste arranjo, enquanto o balanço energético atinge 6,9 MJ etanol hidratado/MJ energia fóssil, a depender da estrutura industrial usada. Nilza Ramos destacou que a realidade brasileira difere significativamente da norte-americana, onde as emissões evitadas, para etanol de milho, variam entre 19% e 48%. O grande diferencial das usinas flex de etanol de milho no Brasil é que a matriz energética é renovável, provenientes da queima do bagaço da cana-de-açúcar.
A utilização do milho nas usinas flex também gera um subproduto de maior valor agregado, conhecido como DDGS (sigla em inglês para grãos secos por destilação). Trata-se de um material com excelente propriedade para a suplementação de animais ruminantes. Dessa forma, o milho pode ser utilizado para alimentação animal em arranjos produtivos de confinamento bovino com plantio de milho em áreas de reforma de canavial. Intensificar de forma sustentável a produção de cana-de-açúcar e milho pode ser potencializada com o programa governamental RenovaBio 2030, que pretende aumentar a produção de biocombustíveis para atingir as metas de redução de emissão de poluentes, estabelecidas pela COP-21.
Texto: Liliane Castelões (16.613 MTb/RJ)