Dom Pedro José Conti: Surpresa nos sapatos

Um jovem caminhava com um dos seus amigos. Enquanto caminhavam, encontraram um par de sapatos velhos ao lado da trilha. Vendo um trabalhador próximo, entenderam que os sapatos pertenciam a ele. O homem estava acabando seu trabalho daquele dia. Voltando-se para o amigo, o jovem sugeriu: – Vamos pregar uma peça no velho. Vamos esconder os sapatos dele, depois ficamos atrás destes arbustos e observar a reação dele. – Você acha mesmo que devemos fazer isso?Perguntou o amigo. Por que não surpreendemos o idoso colocando algum dinheiro em cada sapato e depois observamos sua reação quando o encontrar? O outro jovem não ficou entusiasmado, mas acabou concordando com a ideia. Quando o pobre homem concluiu o seu trabalho e calçou os sapatos, sentiu alguma coisa diferente por dentro. Surpreso, viu o dinheiro e se ajoelhou para a gradecer a Deus por ter provido ajuda para sua família tão necessitada. -Você não se sente mais feliz, por ter ajudado um velho trabalhador, em vez de ter-lhe pregado uma peça? Cochichou o amigo. O jovem concordou.


Neste Segundo Domingo do Tempo Comum, encontramos uma página tradicional de começo deste tempo litúrgico: as chamadas “bodas de Caná”. Nela aparece o primeiro dos “sinais” que servem, do jeito próprio do evangelista João, para fazer conhecer quem é Jesus. Uma página, aparentemente narrativa, mas tão cheia de símbolos e referências ao Antigo Testamento que, se não forem levadas em conta, podem esvaziar a beleza do texto e reduzi-lo ao “milagre” da água transformada em vinho.


O primeiro “símbolo”, ou figura, é o próprio casamento por ser uma “aliança” entre duas pessoas que se acolhem entre si, porque se amam. Essa é uma comparação antiga, cara aos profetas, do amor preferencial que Deus tem com o povo eleito. Agora, porém, algo “velho” acabou (“não tem mais vinho”) e algo “novo” está começando. Com a imagem do casamento, o evangelista João anuncia a “nova” aliança entre Deus e o seu povo, concluída entre o Filho que o Pai enviou e um povo novo, representado, neste caso, pelos diversos convidados. Entre ele, estão os primeiros discípulos que, por enquanto, assistem à passagem do velho (a água nas talhas de pedra) ao novo (o vinho melhor). Começa, para eles e para nós, se decidimos acompanhar Jesus, o difícil caminho da fé, até chegar a “hora” que será aquela da cruz. Esse será o supremo “sinal” do inaudito. Jesus entregará a própria vida. Até esse ponto, chegam a fidelidade, o compromisso e o amor de Deus com o seu povo. Será o “vinho-sangue” da nova aliança.


O segundo sinal que envolve Maria, a mulher-mãe, é a “festa” que o vinho melhor, servido depois, não deixa acabar. Esse sinal ilumina o sentido da transformação da água em vinho. A vida de Jesus não será algo fácil, enfrentará provações, infidelidades e a derrota final. Contudo quem crer nele experimentará alegria (Jo 16,22), paz (Jo 16,33) e vida em seu nome (Jo 20,31). A página das bodas de Caná é rica demais. Está posta no início do evangelho como um pedido. O mesmo que Maria falou “aos que estavam servindo”: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). Fazemos – ou deixamos de fazer – tantas coisas por sugestão, convite, imposição dos outros. Às vezes para agradar, outras por obrigação, outras, simplesmente, porque achamos que “todos fazem assim”. Nem sempre pensamos se vale a pena, se é justo, se é bom o que decidimos, ou não, fazer. De maneira especial,  me refiro-me ao consumismo, mas poderíamos falar da oração. Deixamos de rezar porque temos coisas mais importantes para fazer ou optamos por ler ou escutar no celular o que outros pensaram e refletiram. Repetimos rezas que outros fazem para nós. É mais fácil que ficar em silêncio, fazer o nosso exame de consciência pessoal e a nossa oração espontânea. O evangelho deste domingo, oferece-nos uma luz interessante: a alegria da festa. Os amigos da historinha, na dúvida entre pregar uma peça ao velho ou fazê-lo feliz, escolheram a segunda opção e ficaram alegres também. O “vinho” do amor e do bem é sempre novo e melhor.   

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