A comemoração de aniversário de Boris Johnson no lockdown que agrava crise do premiê britânico
Pressão sobre o primeiro-ministro britânico ficou ainda maior com a notícia de que uma reunião de até 30 pessoas, em junho de 2020, celebrou seu aniversário na sede do governo. Naquele momento, o Reino Unido ainda estava sob restrições devido à covid-19.
A atual pressão política sobre o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ficou ainda maior com a notícia de que uma reunião de até 30 pessoas, em junho de 2020, celebrou seu aniversário na sede do governo. O evento ocorreu quando o Reino Unido ainda estava sob regras de lockdown para combater a pandemia de covid-19.
Em meio às mais recentes alegações, nesta terça-feira (25/1), a Metropolitan Police (polícia de Londres) anunciou pela primeira vez que está investigando as denúncias de eventos sociais na sede do governo, conhecida como “10 Downing Street”.
Na noite segunda-feira (24/1), a rede britânica ITV News noticiou que funcionários de Downing Street “reuniram-se brevemente” para “desejar feliz aniversário ao primeiro-ministro”. Segundo os relatos, Boris Johnson ficou no local “por menos de 10 minutos”. Vários parlamentares, porém, criticaram esta nova revelação sobre eventos sociais em Downing Street durante a fase de confinamento da covid-19.
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No dia da reunião, 19 de junho de 2020, as regras impostas pelo governo britânico à população como um todo proibiam a maioria dos encontros em ambientes fechados com mais de duas pessoas. A céu aberto, encontros sociais estavam limitados a seis pessoas.
Segundo a ITV News, o evento de aniversário de Johnson ocorreu no chamado Cabinet Room, sala de reuniões do gabinete ministerial, pouco depois das 14h do dia 19. A rede informou ainda que a celebração foi organizada pela então noiva de Johnson e hoje sua mulher, Carrie Symonds, depois que ele voltou de uma visita oficial a uma escola ao norte de Londres.
Além de funcionários do escritório em Downing Street, também estava presente a designer Lulu Lytle, que estava no imóvel trabalhando numa reforma do apartamento oficial do primeiro-ministro. Uma fonte disse à BBC que o ministro das Finanças, Rishi Sunak, também estava na sala, mas chegou ao final do evento para participar de uma reunião, não por ter sido convidado.
A BBC apurou que a funcionária pública Sue Gray, que lidera uma investigação interna sobre os eventos sociais na sede do governo, já sabia da reunião 19 de junho de 2020. Seu relatório estava previsto para ser divulgado até o final desta semana, mas o anúncio de que a polícia agora também investiga os acontecimentos deve adiar essa divulgação.
Renúncia com ataques
Enquanto a crise dos eventos em Downing Street se agravava, na Câmara dos Lordes, a Câmara Alta do Parlamento britânico, um integrante do governo pedia demissão.
Theodore Agnew, conhecido como Lorde Agnew, acusou o Tesouro de estar “pouco interessado nas consequências de fraudes para a nossa sociedade”. O motivo de sua indignação foi o fato de que mais de mil empresas que na época não operavam comercialmente receberam empréstimos do governo como ajuda para enfrentar a pandemia. Agnew chamou as supostas falhas cometidas no processo de “erros de aluno de escola”.
Apesar das duras palavras contra o governo, Agnew afirmou que sua saída “não era um ataque contra o primeiro-ministro”.
No auge da pandemia, o governo britânico forneceu empréstimos a 1,5 milhão de empresas do país, num valor total de 47 bilhões de libras (cerca de R$ 353 bilhões). Deste total, estima-se que 11% dos empréstimos, num valor de 4,9 bilhões de libras (cerca de R$ 37 bilhões), tenham sido fraudulentos, concedidos a empresas que na verdade não deveriam tê-los recebido.
Pedidos de paciência
Integrantes do governo britânico seguem pedindo que o público não tire conclusões sobre as alegações nem julguem o primeiro-ministro antes que as denúncias sejam totalmente investigadas e esclarecidas.
O secretário do Meio Ambiente britânico, George Eustice, negou o relato da ITV de que 30 pessoas teriam participado da celebração na sala do gabinete. Segundo ele, o número de funcionários era “mais perto de 10” e disse que “foi literalmente apenas um bolo de aniversário trazido no final do dia”.
Já o secretário de Transportes, Grant Shapps, cujo pai ficou no hospital por quatro meses durante a pandemia, também negou que cerca de 30 pessoas estavam presentes na celebração, dizendo à BBC que o grupo vinha trabalhando junto durante todo aquele dia.
Shapps também disse à BBC que a reunião fora organizada pelo escritório do primeiro-ministro, não pela mulher de Boris Johnson, mas que isso foi “insensato, considerando as circunstâncias” da época.
Entretanto, apesar de sua “raiva e frustração”, o secretário de Transportes pediu “paciência” enquanto Sue Gray realiza sua investigação interna. “Vocês não precisarão esperar muito”, disse ele.
Pedidos de renúncia
Outros parlamentares e até mesmo integrantes do partido do premiê, o Partido Conservador, consideram que a mais recente alegação de desrespeito às regras do lockdown na sede do governo dificulta ainda mais a permanência de Johnson no cargo.
O secretário paralelo das Relações Exteriores, David Lammy, do Partido Trabalhista, maior legenda da oposição, disse que Johnson deveria refletir sobre sua capacidade de respeitar as regras que ele mesmo impôs. Já o líder trabalhista, Keir Starmer, voltou a pedir que Boris Johnson renuncie ao cargo de premiê: “O primeiro-ministro é uma distração nacional e tem que sair”.
A conservadora Sayeeda Warsi, conhecida por seu título, Baronesa Warsi, disse à BBC que chegou a hora de Boris Johnson “pensar bem sobre o que é melhor para o país”. “A questão que ele deveria se perguntar toda manhã é, ‘A minha permanência neste cargo me permite exercê-lo de uma forma que eu faça este país melhor ou eu sou uma distração?'”, acrescentou a baronesa, que é ex-presidente do Partido Conservador.
O parlamentar Andrew Bridgen, também do Partido Conservador, disse à BBC na noite de segunda-feira que a revelação de um encontro na sede do governo para celebrar o aniversário do primeiro-ministro durante o primeiro lockdown pode ser decisiva.
Usando uma expressão em inglês equivalente a “gota d’água”, Bridgen afirmou: “Pode muito bem ser a última palha que quebra as costas do camelo”.
A conservadora Ruth Davison, ex-líder do partido de Johnson na Escócia, revelou no Twitter que sua companheira também fez aniversário em 19 de junho. Ela, porém, afirmou que a data foi celebrada de forma diferente: “Nós marcamos [o aniversário] em 2020 convidando pessoas de uma outra casa para sentar do lado de fora, com distanciamento social, no nosso jardim”.
O primeiro-ministro recebeu apoio de mais gente em seu gabinete. A secretária da Cultura, Nadine Dorries, disse no Twitter: “Então, quando pessoas num escritório compram um bolo no meio da tarde para alguém com quem estão trabalhando no escritório e param por 10 minutos para cantar feliz aniversário e então voltam para suas mesas, isso agora se chama uma festa?”.
Possível disputa interna
Jo Goodman, cofundadora do grupo Covid-19 Bereaved Families for Justice (Famílias em Luto devido à Covid-19 por Justiça), disse que a reunião de aniversário em Downing Street “foi um dia antes do que seria o aniversário de 73 anos do meu pai, pouco depois de ele morrer de covid-19”.
“Foi um período horrível para minha família, mas nós respeitamos as regras, não podendo nem nos abraçarmos para um confortar o outro”, afirmou.
Ela disse ainda que saber que funcionários da sede do governo reuniram-se num ambiente interno para comer bolo pelo aniversário do primeiro-ministro foi “completamente de virar o estômago”. “Enquanto dezenas cantavam feliz aniversário para ele, famílias não podiam ao menos cantar em memória nos funerais de seus entes queridos.”
Johnson tem enfrentado pressão de dentro de seu próprio partido para que peça demissão, com alguns parlamentares enviando cartas formais a seu partido dizendo que perderam a confiança no premiê. Se o número de cartas recebidas pelo comando do Comitê 1922, uma estrutura interna da legenda, chegar a 54, será iniciada uma disputa pelo cargo de líder do partido.
Caso essa disputa ocorra, e Johnson vença, ele continuará na posição e no posto de primeiro-ministro. Mas, se um outro político do Partido Conservador derrotá-lo nessa possível futura eleição interna, esse político se tornará o novo líder do partido e primeiro-ministro britânico, sem necessidade de uma eleição geral no país.