Investimento em ciência pode garantir qualidade de vida em eventos climáticos extremos, aponta pesquisador
O rio Madeira atingiu o nível mais baixo dos últimos 56 anos em Porto Velho (RO), no dia 4 de outubro. Ele é responsável pelo abastecimento de água de aproximadamente 500 mil pessoas em mil quilômetros, desde a capital do estado de Rondônia até o município de Itacoatiara, no Amazonas, onde deságua no rio Amazonas, o que faz dele a hidrovia mais importante da Amazônia Ocidental.
É por onde são transportadas cargas e pessoas. Devido a esse protagonismo regional, os prejuízos sociais e econômicos desta seca extrema são significativos. O pesquisador em hidrologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e uma das maiores autoridades em grandes rios da Amazônia, Naziano Filizola, aponta que investimentos em Ciência e políticas públicas para monitoramento da bacia do Madeira e de outros rios da região poderiam diminuir estes prejuízos.
“Precisamos revalorizar a Ciência no contexto da sociedade para entender melhor o papel dela”, defendeu. “Temos universidades públicas que produzem pesquisas e são financiadas pela sociedade, que também paga os salários dos pesquisadores. Não temos resposta para tudo, mas a Ciência é o único caminho que temos para prever e combater os efeitos, e as causas da situação que estamos vivendo hoje. Boa parte das previsões feitas no passado estão batendo à nossa porta. Tivemos tempo de nos prevenir, mas a sociedade decidiu recuar naquilo que devia ser feito, agora estamos vivendo as consequências. Vimos isso na pandemia, quando decidiram acreditar em remédios mirabolantes e não nas respostas da Ciência”, disse Filizola.
“Temos instituições monitorando a possibilidade de eventos extremos. A Ciência necessária para se trabalhar na Amazônia já existe, o que não existe é vontade política para colocá-la em prática, mas temos instrumentos para isso”, destacou.
A seca que atinge a Amazônia tem gerado imagens espantosas na região mais rica em água do planeta. Animais morrendo por causa do calor e falta de oxigênio na água, leitos dos maiores rios do mundo secos e comunidades ribeirinhas sem água potável. Cenários difíceis de se imaginar na Amazônia.
“Tivemos mais eventos extremos nos últimos 20 anos deste século do que no século passado. A intensificação desses eventos, vai gerar consequências econômicas, ambientais e até na segurança alimentar”, destacou Naziano. A situação que afeta alguns estados da Amazônia é provocada pelos efeitos o fenômeno natural El Niño, mas a comunidade científica aposta em uma confluência de fatores, que envolve as mudanças climáticas, provocadas pelos seres humanos, que levou ao aquecimento das águas do Atlântico Norte, que têm potencializado a vazante, como nos estados do Amazonas, do Pará e do Amapá, e até a concentração de fumaça das queimadas, como tem acontecido na Região Metropolitana de Manaus (RMM).
No Amazonas, os 62 municípios do estado estão em situação de emergência e a seca já afeta mais de 600 mil pessoas. Em 26 de outubro, o rio Amazonas atingiu 36 centímetros na estação de medição do Serviço Geológico do Brasil (SGB), em Itacoatiara, o menor nível registrado no local durante o monitoramento dos últimos 25 anos. No dia 27, o rio Negro registrou o menor nível em 121 anos na estação de medição do Porto de Manaus: 12,70 metros.
Naziano explica que “a recuperação dos rios virá”, mas ainda é precoce afirmar quando. “A natureza sempre dá um jeito de se reequilibrar e de se recuperar, mas pode ser que demore um pouco devido aos efeitos conjugados do El Niño e do aquecimento global, isso nos faz ter dúvidas sobre quando a situação vai arrefecer, se será em breve ou se vai demorar mais um tempo”, disse.Ciência para qualidade de vida
Naziano defende que só o investimento em pesquisas e em pesquisadores da região poderia preparar a Amazônia para enfrentar o que o futuro reserva para a Amazônia. “Uma das questões chaves fundamentais no monitoramento e prevenção de cenários extremos é o baixo nível de investimentos em pesquisas e em pesquisadores na região, o que dificulta a execução de trabalhos de forma mais detalhada e com presença mais intensa nos locais. Isso é um empecilho para a geração de conhecimentos mais profundos sobre as bacias hidrográficas”, explicou.
A colaboração entre a Ciência acadêmica e os conhecimentos tradicionais dos povos da floresta também podem ajudar na busca por soluções. “É necessário que haja uma convergência da opinião pública, do poder público, da sociedade civil organizada no sentido de fazer uma revisão do que a Ciência já produziu até aqui e buscar as saídas que já foram apontadas, pois, quase sempre, as saídas que a Ciência encontra já estão na própria sociedade, em ribeirinhos, indígenas, que já têm soluções importantes, mas elas precisam ganhar dimensão e modelos de aplicação que correspondam à escala que elas devem atender, e nisso a Ciência pode ajudar bastante. É isso que a gente precisa! Mas isso só será possível com pessoal capacitado”, destacou.