Artigo: Os três beijos      

Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá 

O casamento deles já tinha completado os 24 anos. Todas as vezes que deviam se separar, nem que fosse por um só dia, eles trocavam três beijos. As filhas e os amigos ironizavam sobre esse costume. Até que um dia o pai explicou: “Os três beijos não são de despedida, mas para recordar o que significa a nossa união matrimonial. O primeiro beijo é para o coração, porque os nossos corações devem estar unidos no amor e na compreensão mútua. O segundo beijo é para a mente. Todos passamos por muitas provas e tribulações. Algumas vezes, não estamos de acordo sobre algumas questões, mas nos momentos importantes somos uma só pensamento e uma só decisão. O terceiro beijo é para dizer obrigado, porque estamos em paz e, assim, lembrar o quanto lutamos para construir esta união ao longo de tantos anos. Tudo é dom de Deus por isso devemos sempre agradecer. Podem rir de nós, mas é assim que mantemos vivo o nosso amor.” 

Com o Domingo da Sagrada Família de Jesus, Maria e José temos a oportunidade de fechar o ano velho e de iniciar o novo pensando e refletindo sobre as nossas famílias: o que tem de bom e o que poderia ter de melhor. Apesar de vivermos na sociedade da pressa, das comunicações e dos compromissos, as nossas “famílias”, ainda, são lugares onde podemos ser, nós mesmos, mais espontâneos, mais livres. Em nossas casas, também, temos tarefas e responsabilidades, mas por nossa escolha e não por interesse ou obrigação. Em casa, somos nós que decidimos se seremos gentis e amáveis ou ríspidos e grossos. Os nossos familiares não são clientes para agradar ou convencer, cobradores de serviços ou de resultados. A nossa família não pode funcionar como uma empresa que visa o lucro e a eficiência. As relações são outras, os laços que nos unem são bem diferentes. No entanto, é comum ouvir dizer que em lugar de ser o ambiente familiar a transformar a sociedade, num conjunto mais humano, fraterno e solidário, é a sociedade do consumo, do sucesso e do individualismo a condicionar as nossas famílias banalizando os afetos, esfriando os relacionamentos, rompendo aqueles laços que deveriam ser, sobremaneira, amorosos. Toda família deveria surgir por uma escolha de comunhão e de amor e não deveria se deixar vencer pela indiferença, o egoísmo e a provisoriedade.

No evangelho deste domingo da Sagrada Família, o velho Simeão, depois de ter anunciado que aquele menino seria  “luz para iluminar as nações e glória do povo de Israel”, declara que Jesus será também “causa de queda como de reerguimento… Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações”. (Lc 2,32-35). A profecia significa que o “Messias” não terá caminho fácil e até a mãe Maria irá sofrer. Mas nos convida, também, a não ter medo de confrontar os nossos pensamentos com a mensagem de Jesus, com o seu projeto de amor e de paz. Quando refletimos sobre o matrimônio e a família, talvez achamos que o Senhor seja exigente demais. Apavoram-nos compromissos duradouros. As palavras “para sempre” são bonitas, mas acabamos acreditando pouco nelas. Parecem-nos mais amarras que nos prendem de que caminhos a serem percorridos juntos até o fim com decisão e confiança, com esforço e humildade. Dessa forma, não somente duvidamos da força que Deus não deixa faltar aos seus amigos, mas também das nossas próprias possibilidades de viver um amor único e exclusivo com quem decidimos partilhar a vida, com tudo o que somos e temos. Como todas as coisas humanas, a vida matrimonial, também se abençoada por Deus, não tem garantia absoluta de êxito feliz, porque sempre será o resultado de muitos fatores que incluem as nossas fraquezas, as circunstâncias da vida e, sobretudo, a nossa fé. No entanto, devemos ser nós cristãos os primeiros a acreditar no amor e na fidelidade das pessoas. “Ser família” é um chamado, uma missão, um sinal de esperança para quem nunca conheceu a acolhida, a gratuidade, o perdão. Somente de famílias em paz podem surgir homens e mulheres construtores daquela paz que ainda tanto falta no mundo. Benditos os três beijos daquele casal. Quem quiser pode ironizar.

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