Três milhões de cópias
O grande poeta colombiano Gabriel Garcia Márquez, prêmio Nobel da literatura em 1982, preparava-se para escrever a sua obra-prima: Cem anos de solidão. No entanto, estava passando por grandes dificuldades financeiras. Simplesmente disse para a mulher: “Toma conta de tudo”. Depois disso, trancou-se no quarto por dezoito meses seguidos. O escritor acumulava folhas e mais folhas de papel, escrevia e apagava, corrigia continuamente a sua obra seguindo a sua inspiração. A pobre mulher não sabia mais o que fazer para comprar a comida, pagar o aluguel e as contas da energia. Foram dias terríveis. O marido saiu do quarto somente uma vez para vender o carro. Quando, finalmente, concluiu a obra foi despachá-la pelo Correio. O dinheiro que tinha só deu para enviar à editora metade do livro. Desfez-se de mais alguns objetos da casa e conseguiu enviar o restante do romance. A mulher suspirou: “Agora só falta que o teu livro seja uma porcaria”. Não foi. O livro vendeu três milhões de cópias no mundo inteiro e ainda hoje está vendendo.
Com certeza, o romancista confiava nas suas capacidades, mas não podia saber, de antemão, o fruto do seu esforço. Arriscou tudo o que tinha. Em geral, antes de tomarmos uma decisão ou iniciarmos alguma atividade, nós nos perguntamos o que ou quanto vamos ganhar. Talvez existissem mais obras- primas no mundo se tivéssemos mais coragem e sinceridade em nos perguntar o que estamos dispostos a deixar para alcançar o nosso objetivo.
Nesse sentido, lemos o evangelho deste domingo. Jesus chama os primeiros discípulos e o evangelista Marcos insiste em especificar o que eles estavam deixando: as redes, os barcos, os empregados e o pai, Zebedeu. Resumindo: largaram a profissão, a empresa e a família. Deixaram o que estava seguro pela incerteza. “E partiram, seguindo Jesus”, conclui o evangelho. Poucas palavras para apresentar a grande decisão deles de confiar na promessa daquele pregador: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens”. Somente mais tarde, aqueles discípulos irão entender o alcance da sua decisão, no dia a dia com Jesus, nas angústias e na grandeza da missão. Podemos chamar tudo isso de aventura da fé ou, simplesmente, de vocação cristã.
Hoje, todos lamentamos a falta de vocações, mais uma vez achando que vocação, mesmo, seja somente a religiosa, sacerdotal ou missionária. Não é. Pensando bem, toda escolha na vida exige a renúncia de outras. Ser bons profissionais pede dedicação e atualização contínua no próprio ramo. Está em jogo a competência e a confiabilidade. Para que um empreendimento funcione se requer preparação, acompanhamento e respeito aos compromissos. Fora isso, é engano ou calote. Família? Deixo a cada um responder. Sobretudo quando buscamos não somente a nossa “felicidade” individual, mas também estamos empenhados a doá-la àqueles que dizemos amar. Quando não queremos deixar nada ou ninguém, caímos na tentação de querer fazer mais coisas ao mesmo tempo e de querer dar conta de tudo. Fazemos mal feito e caminhamos rumo ao fracasso. É verdade que podemos ter mais de uma responsabilidade na vida, divididos em várias tarefas, mas sempre teremos que optar e dar mais atenção a algumas dessas atividades ou ocupações. Se renúncia pode parecer algo negativo, usamos a palavra prioridade. Hoje está na moda falar assim, mas não muda nada. Na prática, significa a nossa entrega a um serviço considerando-o mais importante do que os outros. Nele nos esforçamos para caprichar, para nos sair da melhor maneira possível.
É nessa altura que devemos nos perguntar se deixar “tudo” para seguir o Mestre Jesus ainda interessa aos jovens. É o deixar que espanta? Não acredito. Qualquer jovem sabe que, além dos dotes naturais, as habilidades se adquirem à custa de esforço e sacrifício. Talvez o que falta é deixar ecoar mais no profundo do coração o chamado de Jesus para serem “pescadores de homens”. Depois, tomar coragem e decidir. “E partiram, seguindo Jesus”.