Xerentes perdem nos pênaltis para Canadá no futebol feminino
Um dia para a Vanessa Smibidi Xerente guardar na memória. Em seu dia a dia na aldeia, a indígena usa suas mãos para trabalhos delicados de artesanato, fazendo tiaras para vender. Na noite de ontem (30) suas mãos chamaram a atenção espalmando uma bola de futebol. Sem luvas, a goleira chegou até a final do futebol feminino dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas salvando seu time.
“Eu não tenho luvas para usar. Se tivesse, usaria”, disse Vanessa, com um sorriso tímido, quase envergonhado após a partida. Talvez sua expressão fosse outra, mas a derrota nos pênaltis para o Canadá por 3 a 1 impediu um sorriso mais largo.
A artesã passou pelas dificuldades com a falta de equipamento adequado e fez com que cerca de 10 mil pessoas no Estádio Nilton Santos, em Palmas vibrarem com pelo menos duas defesas difíceis, cara a cara com as canadenses. O empate de 0 x 0, no tempo normal, só foi possível pela atuação da artesã pouco acostumada com tantos olhares.
“Estou feliz porque a cidade inteira está torcendo por nós. O jogo é difícil, mas é assim mesmo. Chegamos até o segundo lugar,” disse a goleira.
Vanessa e as xerentes foram valentes até o fim. Enfrentando um time superior tecnicamente, com jogadoras que disputam uma liga de futebol indígena em nível profissional que afastavam como podiam a bola da defesa. O que não faltou durante o jogo foram chutões para a lateral, para cima ou para frente. As xerentes não tinham organização ofensiva para chegar ao gol, mas, ainda assim, assustaram a goleira canadense Rachel Leborgne duas vezes com chutes para da área.
As norte-americanas não conseguiam dominar o jogo. Jasmine Hunt era a jogadora que mais oferecia perigo ao gol de Vanessa, com boas infiltrações e chutes de longe, mas não teve jeito. Não era noite de gols para nenhum dos times.
Os gols que faltaram na final sobraram nas fases anteriores. As donas da casa – a etnia Xerente é do Tocantins – chegaram à final com quatro goleadas, sendo uma delas por 8 a 0 contra as Terena, na primeira fase da competição. As canadenses também sobraram no torneio, com goleadas de 14 a 0 e 13 a 0, mas não estavam com a pontaria em dia. Além de esbarrarem em Vanessa, erraram uma finalização na cara do gol e todas as cobranças de falta subiam além do travessão.
As cobranças de pênalti, porém, revelaram a grande diferença técnica entre as duas equipes, até então escondida. As cobranças precisas das canadenses deixavam Vanessa sem saber se corria ou se atirava na bola. A falta de intimidade com o ofício passou a ser nítida. A torcida vibrou até o fim, mas a vitória escapou entre os dedos.
“Eu esperava um enorme desafio porque a vida do Brasil é o futebol. Mas acho que nós merecemos, assim como elas. Nós duas somos medalha de ouro”, disse a canadense Justine Laughren após a partida, no melhor espírito “o importante não é ganhar, e sim celebrar”, lema dos jogos em Palmas.
Várias meninas Xerente não contiveram as lágrimas após a partida. Do outro lado, as adversárias também choraram, aliviadas, e comemoraram muito a vitória suada e conquistada apenas no capítulo derradeiro da partida.
Marcelo Brandão – Repórter da Agência Brasil Edição: Valéria Aguiar