Mesmo com o Zika, grávidas caem na folia em blocos do Rio

 

Bloco infantil Cordão Umbilical sai no Humaitá, zona sul da cidade.
Para as grávidas, ficar em casa e não desfilar no Cordão Umbilical no primeiro dia de carnaval seria cruelTânia Rêgo/Agência Brasil

Desafiando as recomendações da Fundação Oswaldo Cruz, para que as gestantes evitassem aglomeraçõese se protegessem do vírus da Zika, mulheres grávidas desfilaram hoje (6) no Bloco Cordão Umbilical, no Humaitá, na zona sul do Rio de Janeiro. Organizado por músicos e moradores do próprio bairro, o bloco é conhecido de pais e mães que brincam o carnaval com os filhos, em clima de tranquilidade e ambiente familiar.

Com mais de oito meses de gravidez, Gabriela Ortis, 28 anos, disse que foi informada das recomendações da Fiocruz, mas que optou por sair e se divertir com a primogênita. “Não dá para ficar em casa trancada e com uma filha pequena.” Gabriela afirmou que ela e a filha gostam de carnaval e não poder sair de casa nesta época seria cruel. “Estou me cuidando. Passo repelente e não deixo de fazer as coisas.”

Também grávida, Cristina Nunes, 35 anos, deixou o apartamento protegido com telas de mosquito para brincar o carnaval com o marido e a filha pequena. Cristina informou ter esquecido de passar o repelente, mas acrescentou que não “fica na paranoia o tempo inteiro”. “Estou vivendo. Agora mesmo estava conferindo para ver se não tinha mosquito [nas pernas]. Não vou ficar desesperada nem enclausurada, só preocupada.”

Bloco infantil Cordão Umbilical sai no Humaitá, zona sul da cidade.
Bloco infantil Cordão Umbilical sai no Humaitá, zona sul da cidade.Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Aedes aegypiti é o principal transmissor da Zika. No entanto, a transmissão por saliva e urina não estão descartadas. Ontem (5), a Fiocruz anunciou ter descoberto a presença do vírus nas excreções, embora não tenha confirmado se é possível infectar pessoas por meio do contato. Na dúvida, a orientação é para que as grávidas evitem aglomerações, o compartilhamento de copos e talheres e o contato com pessoas com a doença.

Orientações para família

Organização de defesa dos direitos da mulher, a Artemis informou que as recomendações colocam apenas nas mãos das grávidas a tarefa de se proteger, mesmo que isso não seja possível.

Em entrevista à Agência Brasil, a  presidente da entidade, Raquel Marques, cobrou que os pais sejam chamados à responsabilidade. “As orientações deveriam ser para homens e mulheres redobrarem os cuidados, não só mulheres. Até porque, eventualmente o homem, o companheiro, pega doença na rua e passa para a companheira que não sai de casa.”

Segundo Raquel, a responsabilidade de cumprir as orientações de se proteger do mosquito e evitar exposição também devem ser compartilhadas com o governo e empresas. “Como será se essa mulher for pobre, precisar pegar transporte público para trabalhar? E se ela for caixa de supermercado? Como vai evitar aglomerações?”

Combate ao mosquito

A presidenta do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo, Patrícia da Silva, acrescentou que o governo deve melhorar o combate ao mosquito, retirando das mulheres o peso do controle da doença. “Precisamos mais do que propaganda. Precisamos de uma ação real de caça ao mosquito em todos os imóveis, abandonados ou não, públicos ou privados.”

A assistente social também cobrou uma estrutura de saúde que apoie famílias que optem por interromper a gestação, posição defendida publicamente pelo Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos. “O Estado deve possibilitar à mulher decidir se quer manter a gestação ou não e saber como ela vê a criação desse bebê”, afirmou a assistente social.

“É preciso destacar recursos para cuidar dessa criança. As famílias vão precisar adaptar a casa, de tempo para se dedicar, de carro para levar e buscar no tratamento, além de apoio às mães, emocionalmente abaladas com o diagnóstico”, avaliou Raquel. “O problema é da mãe, do pai, da mãe, das avós, dos tios. O peso não pode ser individualizado”, concluiu Patrícia.

O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, justificou ontem a divulgação das novas evidências sobre o vírus na urina e na saliva afirmando que o órgão não poderia reter a informação. Segundo ele, as recomendações devem ajudar no combate à microcefalia em bebês, que pode estar associada à Zika.

Os estudos sobre as formas de transmissão continuam em curso.

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