Artigo Científico de servidora do TJAP revela pioneirismo da Justiça do Amapá no reconhecimento dos direitos das pessoas Trans
A servidora do Judiciário, lotada na Secretaria Única das Varas Criminais da Comarca de Macapá e professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Amapá, Maria Emília Oliveira Chaves, em cooperação com a professora substituta de Direito Público, Mariah Torres Aleixo, também da Unifap, produziu um artigo científico abordando “A (Des) Colonialidade de Gênero e Pessoas Trans no Tribunal de Justiça do Amapá”.
O artigo foi apresentado no “II Seminário Internacional América Latina: Políticas e Conflitos Contemporâneos”, realizado na Universidade Federal do Pará, em Belém, de 27 a 29 de novembro.
As pesquisadoras partiram de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que firmou o entendimento de que é possível a troca do nome constante no registro de nascimento de uma pessoa trans, mesmo que essa pessoa não tenha realizado cirurgia de transgenitalização, conhecida popularmente como “troca de sexo”.
A decisão do STJ encerra a polêmica em relação ao assunto, presente em decisões de magistrados por todo o país, que oscilavam entre permitir a troca de nome sem realização de cirurgia e autorizar a mudança apenas mediante a cirurgia. “O Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJ/AP) proferiu decisões pioneiras no sentido do reconhecimento do direito à troca de nome independente de realização de intervenção, anteriores ao posicionamento do STJ”, revelou Maria Emília.
As pesquisadoras utilizaram como referência teórica “estudos feministas descoloniais, que frisam a necessidade de romper com a colonialidade de gênero e, por conseguinte, com o sistema de gênero colonial/moderno, fortemente influenciado pelo modelo eurocentrista, advindo dos colonizadores das Américas”.
De acordo com suas conclusões, o reconhecimento das identidades de gênero promovido pelas sentenças do Judiciário amapaense, ao longo de duas décadas, representa uma “espécie de combate e/ou relativização, mesmo que localizada, do sistema de gênero colonial/moderno”.
“A América latina foi colonizada por países ibéricos, sobretudo Portugal e Espanha. Essa colonização não se encerrou com a autonomia política e administrativa dos países, ela permanece até hoje. O nosso colonizador ainda dita como devemos nos comportar, como deve ser o nosso sistema de Justiça, o nosso Direito, como devemos nos vestir e, no caso da percepção de gênero, prevalece o entendimento binário de homem e mulher com sua sexualidade definida somente pela biologia, sendo sexos opostos e como regra heterossexuais”, explica Maria Emília.
Segundo ela, essas “verdades” se interpõem sobre as culturas locais de forma violenta. “Há vivências e entendimentos sobre identidade de gênero que são desconsideradas pelo colonizador”, considera. Trazendo para o foco da pesquisa, as professoras revelam que a partir da compreensão de que a legislação brasileira é toda influenciada por essa cultura eurocêntrica, a Justiça amapaense se comporta de forma diferente. “No Amapá a gente vê uma voz contrária, que empodera as pessoas trans e reconhece os direitos desse seguimento da sociedade”, afirma a professora Maria Emília.
O TJAP possui um histórico de decisões favoráveis aos pedidos ajuizados por esse segmento. O artigo revela que em 1999 foi protocolada a primeira ação dessa natureza junto à Vara Única da Comarca de Amapá, município com apenas 8.757 habitantes. Uma pessoa transexual, que havia feito a cirurgia de transgenitalização, pleiteava a retificação de seu registro civil para alteração de prenome e sexo. O pleito foi julgado procedente, mas o Ministério Público do Estado opôs recurso de apelação.
Dois anos depois, em 05 de junho de 2001, a Câmara Única do TJAP, negou provimento ao recurso do MPE e manteve integralmente a sentença do primeiro grau. O relatório do segundo julgamento, favorável à pessoa trans, foi proferido pelo então desembargador Raimundo Vales.
Também citado no artigo científico, outro caso relevante em relação à pessoa trans ocorreu na Comarca de Santana, segunda maior cidade do estado, com população estimada em 115.471 habitantes. Nesse caso, foram deferidos primeiramente os pedidos de mudança de registro para alterar o nome e o sexo, em 2002; habilitação para casamento com identidade de gênero feminina, em 2007; e adoção de menor em 2008.
A protagonista do feito foi Verônica Oliveira de Moraes, que obteve uma autorização para adoção pioneira no Brasil, “e que alcançou repercussão nacional, principalmente nos movimento de luta pelos direitos dos transexuais”, revelou Maria Emilia.
O juiz Luiz Nazareno Borges Haussler, que prolatou a sentença na época, destacou que “não havia registro de nenhuma conduta atentatória à dignidade da criança, ao contrário, tanto o estudo social juntado nos autos do processo, como os depoimentos testemunhais e as informações apresentadas pela própria mãe biológica davam conta de que a criança estava sendo acolhida e bem tratada no lar substituto”.
“Além desses dois primeiros casos envolvendo pessoas trans que haviam realizado a cirurgia, o TJAP seguiu deferindo pedidos dessa natureza mesmo a pessoas trans que não fizeram a cirurgia, antes da paradigmática decisão da 4ª Turma do STJ, ocorrida em 09/05/2017, nos autos do Recurso Especial nº 1626739/RS). Hoje o Tribunal amapaense contabiliza 100% de sentenças favoráveis”.
“As decisões do TJAP percorreram o mundo jurídico e foram utilizadas em outros tribunais para subsidiar decisões em casos semelhantes”, relata a professora. A conclusão das professoras demonstra que no Amapá todas as pessoas trans recebem “tratamento respeitoso e tem suas demandas acolhidas pelo Poder Judiciário”.
-Macapá, 07 de dezembro de 2017-
Assessoria de Comunicação Social