Dom Pedro Conti: O final do caminho
Um monge foi visitado pelo anjo da morte. Tinha chegado a sua hora. Mas ele argumentou com o anjo: “Tem que ser agora? Estou cuidando da horta da comunidade. Se eu for embora agora o que os meus irmãos vão comer?”. O anjo resolveu deixar a missão para outra hora.
Dias depois voltou e o monge estava cuidando das crianças da comunidade. De novo, houve uma negociação e o anjo adiou a morte para outro momento. Voltou um mês depois e o encontrou tratando, carinhosamente, de um doente grave. Dessa vez, nem se falaram: o monge só fez um gesto, mostrando a situação e o anjo foi embora.
Anos se passaram, o monge cuidou dos seus trabalhos, foi ficando velho e fraco e desejou morrer. Um dia, o anjo apareceu e ele se alegrou. Disse: “Que alívio! Pensei que estava zangado com os meus pedidos de adiamento e não me levaria mais para a vida eterna junto de Deus”. O anjo sorriu e respondeu: “Eu só vou completar o final do caminho. Você já estava na vida eterna quando servia aos seus irmãos”.
Com o trecho do evangelho de João, deste quinto domingo da Quaresma, encerramos a catequese quaresmal própria deste ano litúrgico. Encontramos Jesus no Templo; depois, de noite, conversando com Nicodemos e, agora, junto a um grupo de estrangeiros gregos que querem vê-lo. Aparentemente, Jesus muda de assunto. Na realidade, antecipa o espetáculo extraordinário e único do Calvário. Lá, levantado na cruz, será bem visível p ara todos. O surpreendente é que o evangelista chama de “glória” a triste situação daquele homem desfigurado. “Glória” confirmada pela voz do Pai e confundida pela multidão por um trovão qualquer. O pedido dos “gregos” já podia dar a impressão de que a fama de Jesus estivesse chegado longe demais. Para o evangelista, ela foi mais longe ainda: alcançou o Pai. O mundo é julgado e o seu chefe derrotado, porque não acolheram a luz da verdade. Não é um raciocínio complicado, é a grande novidade de Deus.
Para os critérios materiais do “mundo”, de outrora e de sempre, uma vida de sucesso e de glória coincide com o fato de ter poder e dinheiro. Esse é o “sonho” de vida boa para muitos, também entre nós cristãos. Para Jesus e Deus, seu Pai, a vida plena, feliz e gloriosa, é claramente ao contrário àquela de quem está disposto a morrer, a perder a sua vida para que outros possam tê-la em maior quanti dade e melhor qualidade. O segredo de tudo é sempre o amor. Jesus não é um herói vencedor de alguma batalha. Não disputa nenhum império. Não receberá nenhum reconhecimento por parte dos grandes deste mundo. Será desprezado, condenado e morto como um malfeitor. Quem “glorificará” Jesus, pelo dom total da sua vida, será o próprio Deus-Pai, aquele que ele deu a conhecer como Deus Amor.
Chegamos assim ao ápice, ou à chave, do evangelho de João. A hora da cruz é a hora da glória. Lá a verdade, a luz, a vida e o amor coincidem na pessoa de Jesus. Sem amor, a vida é obscura e vazia, porque somente a vida doada, sem apego a ela, é a plena e verdadeira vida. Igual ao grão de trigo. Para produzir frutos, a semente deve “morrer”, deve deixar de ser só uma semente. Quantos frutos de amor já produz iu a vida oferecida de Jesus? Todo gesto de bondade, generosidade, partilha, perdão, justiça e paz tem um valor inestimável para o coração de Deus. Primeiro, porque sempre exige decisão, escolha, vitória sobre o nosso interesse e egoísmo. Segundo, porque, mesmo sem o saber, o bem se espalha e se multiplica. Não faz barulho, não precisa de publicidade. Toca no profundo de qualquer um, aproxima as pessoas, faz surgir confiança e amizade. Ilumina a vida. É sempre o mesmo e grande amor de Jesus que atrai. Servir a ele nos pobres, nos pequenos, nos sofredores é uma honra. Já é um prêmio, uma alegria, uma festa. Já é participação da vida feliz e amorosa de Deus. O monge da história o tinha entendido muito bem e a irmã morte também.
Dom Pedro Conti é Bispo de Macapá