Debatedores cobram melhores meios de combate ao trabalho escravo

Em audiência pública sobre escravidão contemporânea promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta quarta-feira (3), especialistas levantaram dúvidas sobre a capacidade das empresas para enfrentar, em toda a cadeia produtiva, o trabalho escravo — conceito que inclui escravidão por dívidas e condições degradantes de trabalho.

Os debatedores também criticaram as decisões judiciais que suspenderam a inclusão de certas empresas na lista suja do trabalho escravo, editada pelo Ministério da Economia. As companhias listadas não podem receber empréstimos de bancos públicos e sofrem restrições em suas vendas. O correspondente no Brasil da Fundação Thomson Reuters, Fábio Teixeira, alertou para o enfraquecimento da lista por meio de liminares concedidas por juízes que, na opinião dele, não entendem o problema do trabalho escravo.

Coordenador da Articulação dos Empregados Rurais de Minas Gerais (Adere-MG), Jorge dos Santos Filho revelou que a região do município de Carmo de Minas reúne 6% do trabalho escravo registrado na lista suja, situação que considera agravada pelo que chamou de “marketing mentiroso das multinacionais do café”. Segundo ele, as empresas não honram as certificações de boas práticas de trabalho que ostentam, pois exploram trabalho escravo, não registram trabalhadores e não fornecem equipamentos de proteção.

— Outro problema é a falta de acesso à justiça. As indenizações são baixas e muitas vezes não contribuem com a punição — avaliou, lamentando a falta de auditores fiscais para o registro de ocorrências trabalhistas.

Também citando o trabalho escravo na agricultura cafeeira do sul de Minas Gerais, o coordenador de desenvolvimento e direitos socioambientais da Conectas Direitos Humanos, Caio Borges, destacou a falta de acesso à informação pela sociedade como obstáculo para o combate às violações trabalhistas e para a criação de mecanismos de enfrentamento. Segundo ele, as empresas têm responsabilidade com medidas preventivas, mesmo que o Estado não esteja cumprindo sua própria legislação.

— O Brasil, apesar de ter um sistema sólido, precisa pensar em como preencher algumas lacunas que permanecem — opinou.

Cadeias produtivas
Representando a Mesa Redonda Internacional de Responsabilidade Empresarial, Marion Cadier comentou a dificuldade no monitoramento da escravidão humana em cadeias produtivas que atravessam vários países, o que estimula a impunidade e deixa a justiça distante das vítimas. Ela entende que os investidores pedem transparência em relação aos direitos humanos porque as empresas que lucram com a exploração têm vantagem competitiva sobre as outras.

— Precisamos de regulação, porque medidas voluntárias não são suficientes.

Representante do Centro de Recursos Empresariais e Direitos Humanos do Reino Unido, Patrícia Carrier pediu presença forte do Estado diante da falta de autoridade de consumidores e empresas. Para ela, o Brasil já tem estrutura jurídica contra a exploração de trabalhadores, mas é preciso assegurar aos órgãos governamentais os meios para fazer cumprir a legislação.

— A exploração ocorre bem mais abaixo na cadeia produtiva e as grandes empresas não investigam. Não veem trabalho forçado dentro de um quadro mais geral de violação aos direitos humanos — lamentou.

Os governos devem cumprir suas obrigações em vez de “esperar uma tragédia”, segundo Ruth Freedom Pojman, do Fundo Global para Acabar com a Escravidão Moderna. Ela considera questionável o resultado das iniciativas próprias de empresas e cidadãos para enfrentar o trabalho escravo.

40 milhões
Por sua vez, a representante do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto) Mércia Silva informou que mais de 40 milhões de pessoas estão submetidas a trabalho forçado, segundo os critérios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — cerca de 370 mil no Brasil. Ela associou a ocorrência desses crimes às regiões de elevada vulnerabilidade social e cumprimentou as grandes empresas que assumem o risco de enfrentar o problema.

— Há um conjunto de procedimentos e políticas que empresas precisam adotar. Isso adiciona valor.

O jornalista Leonardo Sakamoto, do Repórter Brasil, pediu mais fiscalização e mais trabalho integrado para empresários verificarem suas cadeias produtivas, mas declarou temor de que o atual governo paralise processos que se tornaram rotinas desde a redemocratização.

— Nesse ambiente, sentimos dificuldade de avançar com pautas que passem pela regulamentação da atividade empresarial, mas a rejeição ao trabalho escravo é praticamente unanimidade — resumiu.

A audiência interativa foi conduzida pelo presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS).

Agência Senado

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