João Baptista Herkenhoff: Velhos arquivos

Disse Millôr Fernandes: “Em ciência leia sempre os livros mais novos. Em literatura, os mais velhos.”
Parafraseando Millôr podemos dizer:
Se o objetivo de uma busca é a praticidade, os arquivos novos devem ter preferência. Se queremos reviver histórias, a primazia deve ser conferida aos velhos arquivos.
O desejo de remontar ao passado é mais forte à medida em que avançamos na idade, que é meu caso (83 anos).
Rebusquei há dias a revista “Essa – Espírito Santo Sociedade Aberta”, edição de fevereiro de 2007.
Encontrei nessa publicação uma entrevista concedida à Jornalista Jeanne Bilich, que é hoje confreira na Academia Espírito-Santense de Letras.
A entrevista a que me refiro ficou muito boa, não tanto pelo que eu disse, mas sobretudo pela arte com que a jornalista produziu a matéria.
O trabalho ficou ainda melhor com as fotos que o ilustraram, obra do Jornalista Herlon Ribeiro de Souza.
A inteligente entrevistadora provocou toda uma recapitulação sobre minha carreira jurídica. Numa das respostas, tive a oportunidade de dizer:
Sempre achei que o “encontro” do réu com o magistrado não pode ser uma coisa fria.
Para o juiz as audiências passam a ser corriqueiras. Para o réu o “encontro” com o juiz é alguma coisa extremamente séria.
Mais adiante:
Fui convidado para a Comissão de Justiça e Paz pelos bispos Dom João Baptista da Mota e Albuquerque e Dom Luiz Gonzaga Fernandes.
Recebi o chamado como “convocação de consciência”. Não se tratava de um convite comum. Pedia coerência da ação concreta com a fé cristã que tinha dentro de mim.
O Tribunal de Justiça via com má vontade minha presença num órgão dessa natureza. Entendia que o exercício da presidência seria ilegal e intolerável.
Respondi a processo disciplinar. A primeira página dos autos continha um pronunciamento feito à imprensa, em nome da Comissão, censurando abusos contra presos.
Às dez horas da manhã, recebi intimação para uma audiência marcada para as 14 horas.
Telefonei para o Bispo perguntando o que sugeria para que eu me defendesse.
Ele simplesmente aconselhou-me a abrir a Bíblia e ler o trecho do Evangelho onde o Cristo diz a seus seguidores que, quando fossem chamados a Tribunal, por causa de seu Nome, não se preocupassem com o que haveriam de dizer, porque o Espírito Santo sopraria.
Pensei: Se é assim como o bispo está dizendo, nada tenho a preparar. Apenas comparecer. No horário aprazado, lá estava e fiz o que o bispo havia sugerido.
Fui salvo pela posição assumida pelo desembargador Homero Mafra, hoje falecido, que compreendeu e fez compreender aos demais que a consciência do juiz sob julgamento era inviolável.
O processo deveria ser trancado.

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