“PGR não existe hoje no Brasil”: Gilson Dipp cobra reação de órgão quanto a ataques de Bolsonaro

Jurista considera inaceitável a inação do procurador-geral da República e de outras instituições quanto aos ataques de Bolsonaro

Jorge Vasconcellos

Para Gilson Dipp, está “péssimo” o relacionamento entre os Poderes da República. A escalada antidemocrática de Jair Bolsonaro resulta de uma omissão das instituições, que não têm cumprido o dever de preservar a ordem constitucional.O jurista e ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça não acredita que o impasse será resolvido por meio de distensionamento. “Bolsonaro não se submete a diálogo nenhum, seja com o Judiciário, seja com o Legislativo”. ,

Gilson Dipp também considera que o Supremo Tribunal Federal (STF) não está reagindo à altura aos ataques desferidos contra a democracia. O jurista afirma que a Corte tem meios para “superar a omissão da Procuradoria-Geral da República” ante os crimes cometidos por Bolsonaro, podendo, por exemplo, recorrer ao Conselho Superior do Ministério Público. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com o ex-corregedor nacional de Justiça e primeiro coordenador da Comissão Nacional da Verdade.

O Poder Judiciário, sobretudo o STF e o TSE, tem sido alvo de ataques do presidente Bolsonaro. Já tinha visto situação semelhante no período da redemocratização?

Não, jamais. E isso demonstra uma tendência que já estava adormecida não só no povo brasileiro, mas também em muitos países, a um retorno à anormalidade democrática. Ou seja, está se aflorando um desrespeito às instituições, ao Judiciário, com um fanatismo político, um fanatismo religioso. É um retrocesso que o Brasil não esperava que viesse a acontecer, e há camadas significativas da população que estavam adormecidas e que têm instintos autoritários, instintos racistas, rebeldes, a favor de uma religiosidade exacerbada, e que deram margem a um insensato, eu diria até que a um insano, na presidência da República, com a aquiescência das Forças Armadas.

O TSE abriu inquérito administrativo para apurar ameaças às eleições. Que repercussões essa investigação pode trazer ao presidente?
O presidente vem cometendo inúmeros crimes, inclusive ameaça às eleições, ameaça à democracia, e isso é uma realidade. O que nós podemos questionar, e o presidente está se aproveitando disso, é a forma como se abre um inquérito administrativo. Será que o TSE estaria imitando o Supremo na abertura do processo das fake news? Ou seja, abrem um inquérito administrativo sem a participação do Ministério Público Eleitoral. Isso dá uma certa fragilidade a um inquérito administrativo feito pelo próprio TSE, que, ao fim e ao cabo, vai instruir, vai julgar esse próprio inquérito. A forma como o TSE vem agindo pode ser questionada, não nos crimes cometidos pelo presidente. Tomou uma decisão que o próprio (plenário do) Supremo validou, a abertura desses processos criminais, mesmo os processos administrativos. Na Justiça Eleitoral é menos grave porque ela é uma justiça jurídica, judicial, mas tem muitos aspectos políticos. E, ali, num inquérito, pode sim, digamos, ser dispensada, o que não é o ideal, a participação do Ministério Público Eleitoral. A explicação é lógica: a Procuradoria-Geral da República e a Procuradoria-Geral Eleitoral, que é decorrência da PGR, não estão funcionando, e jamais iriam levar adiante, com seriedade, o processo contra Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, atendeu ao pedido do TSE para incluir o presidente Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news. Qual sua opinião?
Ele (Moraes) cita inúmeros crimes que o presidente da República teria cometido, em tese. A maneira como foi aberto esse inquérito foi questionada, à época (março de 2019), porque foi um inquérito aberto pelo ministro Toffoli (então presidente do STF), sem ouvir o Ministério Público, nomeando um relator diretamente, que foi o Alexandre de Moraes, sem sorteio, sem consulta. A matéria foi altamente questionada por todos os juristas. Mas acabou o Supremo por validar, pelo seu plenário, a legalidade e a constitucionalidade desse tipo de inquérito. Consequentemente, como o Supremo dá a última palavra sobre a legalidade e a constitucionalidade de atos jurídicos, esse inquérito vem a ser, digamos assim, ratificado e consolidado, apesar do seu vício de origem.

Esse debate está superado, então?
Eu acho que já está superado esse tema, apesar do seu vício de origem, que eu acho que houve. O ministro Alexandre de Moraes, tendo sido respaldado pelo Supremo, fez muito bem em aceitar o pedido de inclusão de Bolsonaro nesse inquérito, porque os crimes arrolados, os fatos que possam ser enquadrados como crimes, são inegáveis e atentam contra o Estado Democrático de Direito.

O Judiciário tem respondido à altura aos ataques que vem sofrendo?
Não. Há uma tendência, parece que houve uma paralisação, uma anestesia geral das instituições em relação a um presidente insano e irresponsável, ditatorial e criminoso. O Judiciário já poderia, em suas várias instâncias, em especial o Supremo, ter reagido à altura, mas, na maioria das vezes, reage de forma parcimoniosa.

O que o Supremo pode fazer, se a Procuradoria-Geral da República tem se mantido em silêncio ante as atitudes do presidente?
O Supremo tem meios, e eu já presenciei algumas vezes, de ultrapassar as omissões da PGR. A PGR pode muita coisa, mas não pode tudo. O Supremo tem sido conivente com o procurador-geral da República, e o procurador-geral da República não tem poderes que se esgotem em si sem que leve, qualquer matéria, não só a do Bolsonaro, ao poder Judiciário. A PGR não pune por si mesma. Ela é um instrumento de defesa da ordem democrática e está sujeita ao crivo do Judiciário. Então, há omissão também do Supremo face à PGR, que não existe. PGR não existe hoje no Brasil. O Brasil não tem Ministério Público, não tem a Procuradoria-Geral da República, nem todos os órgãos que dela dependem.

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