Dom Pedro José Conti: A oportunidade
Certo nobre, muito rico, chegou a uma cidade e mandou divulgar a seguinte mensagem: “Pagarei a dívida de qualquer pessoa que venha me ver amanhã, entre as oito e as doze horas”. Já se aproximava das onze horas e nada tinha acontecido. Entretanto, algum tempo depois, chegou um pobre homem, de chapéu na mão que, timidamente, perguntou se era verdade o que estava escrito no comunicado. O nobre respondeu: “Sim, a notícia está correta. Quanto você deve?”.O pobre, ainda confuso com tanta generosidade, disse o valor da dívida. O rico bondoso, imediatamente, entregou-lhe a soma correspondente. O pobre agradeceu com as lágrimas nos olhos e quis sair, mas o nobre homem lhe pediu para ficar ali, sentado, aguardando até as doze horas. Meia hora mais tarde, chegou outra pessoa que foi tratada do mesmo jeito. Em seguida, quando o relógio da praça marcou meio-dia, todos se abraçaram, os dois saíram e a porta foi fechada. Ao aparecer na rua, os dois encontraram muitas pessoas prontas a zombar da ingenuidades deles. No entanto eles apresentaram o dinheiro que tinham recebido. Era verdade. Então todos correram a bater na porta, onde o nobre cavalheiro estava hospedado, mas era tarde demais. Voltaram tristes e envergonhados por não terem confiado na palavra do homem.
Com a Quarta-feira de Cinzas, iniciamos o tempo da Quaresma. No Primeiro Domingo deste tempo litúrgico, sempre encontramos o evangelho das tentações de Jesus no deserto, desta vez, conforme o Evangelho de Lucas. Dizemos “tentações”, porque assim mesmo são chamadas as três propostas do “diabo” a Jesus. De fato, os evangelistas concentram, nesse momento, o difícil caminho das escolhas que Jesus teve que enfrentar ao longo dos anos da sua vida pública. Quantas vezes os evangelhos contam que os fariseus, os mestres e doutores da Lei lhe faziam perguntas, ou lhe apresentavam situações comprometedoras, para pô-lo à prova. A última “prova” foi na agonia do Jardim das Oliveiras e a última luta foi na hora da cruz. A plena confiança e a obediência total ao Pai, em perfeita comunhão de amor para a salvação dos homens pecadores, foram a grande vitória de Jesus sobre o mal que gera a morte e nega a bondade misericordiosa de Deus. Em nosso caminho quaresmal de conversão e penitência, acompanharemos Jesus para podermos celebrar, juntos com ele, a vida nova da Ressurreição.
Voltando ao evangelho deste Domingo, vamos mudar o ponto de vista. Talvez alguém chegue a pensar que as “tentações”, de fato, poderiam ser entendidas como “oportunidades”, neste caso, “perdidas” pelo próprio Jesus. Se ele tivesse transformado as pedras em pão teria resolvido a questão da fome no mundo uma vez por todas. Por que não o fez? Se tivesse adorado, só um pouquinho, o “diabo” ou qualquer um que fosse, teria sido um líder mundial absoluto, o dono do mundo, e, por ser justo e honesto, teria recebido os aplausos e a obediência cega de toda a humanidade de todos os tempos. Teria sido um poderoso diferente para o bem da humanidade inteira. Por que não o fez? Por fim, um “milagre” incontestado e cientificamente provado lhe teria garantido a crença de um número incontável de fanáticos seguidores. Um Jesus assim, que perdeu todas essas oportunidades de grandeza e poder, mereceu mesmo ser crucificado.
Perdoem-me, sei que exagerei dizendo tudo isso, mas foi o jeito que encontrei para ajudar a reconhecer o verdadeiro Jesus, pobre, humilde e sofredor. Ainda hoje, os amigos dele o reconhecem absolutamente grande pelo amor total oferecido a todos, bons e maus. O proclamam “senhor” dos corações humanos por livre e alegre adesão e não por mera conveniência. O acolhem como líder, mestre e “pastor” de todos aqueles que descobrem com ele o tesouro do único Reino para o qual vale a pena gastar a própria vida. A esses “amigos” de Jesus não importa se muitos zombam deles por acreditar nas palavras de vida do homem de Nazaré, por abraçar uma fé sem tantas provas a não ser o exemplo dele mesmo e daqueles que, desde a primeira hora, seguiram os seus passos.