Dom Pedro José Conti: O corvo e as moedas de ouro
Era uma vez um corvo que gostava muito de juntar moedas de ouro. Vivia sobrevoando os lugares e cada vez que encontrava uma moeda bicava-a e a levava para sua casa, guardando-a dentro de um grande vaso. Seus amigos diziam-lhe: “Para que um corvo precisa de moedas de ouro? Aproveite seus voos para coisas mais interessantes”. Mas o corvo dizia que elas valiam muito e que precisava delas. O vaso já estava quase cheio. Um belo dia, resolveu contá-las, mas grande foi a sua surpresa quando, ao tentar tirá-las, descobriu que seu bico não conseguia entrar na boca do vaso. Fora mesmo inútil juntar aquelas moedas porque agora não poderia usá-las.
Essa foi só uma historinha. Se o corvo fosse inteligente, bastaria quebrar o vaso para conseguir as tão suadas moedas. Contudo fica o questionamento dos amigos: para que um corvo precisa de moedas de ouro?
O assunto principal do evangelho de Lucas, deste 18º domingo do Tempo Comum, é o alerta de Jesus sobre “todo tipo de ganância”, como se a vida de uma pessoa dependesse da abundância dos bens. As riquezas acumuladas não garantem uma vida mais longa ou mais feliz. Ninguém conhece a hora da própria morte. Teremos que deixar tudo. Seria muito melhor trabalhar para ser ricos diante de Deus que juntar tesouros para nós mesmos, porque nada poderemos carregar deste mundo. Na parábola, Jesus chamou o rico de “louco”, não porque tinha acumulados tantos bens, mas porque se deixou surpreender por algo que, estultamente, tinha excluído de seus planos: a morte. Apesar de sermos conhecedores do fim inevitável da nossa vida, sempre imaginamos poder escapar, preferimos fingir que conosco será diferente. Jesus não quer nos amedrontar. Ele quer nos ajudar a não perder o tempo com o acúmulo de bens passageiros e a dar um sentido grande à nossa vida, aos nossos afazeres, ao jeito de usar das coisas deste mundo. Sabemos muito bem o que significa ser ricos diante dos homens, mas o que significa ser ricos “diante de Deus”? Encontraremos a resposta no evangelho do próximo domingo.
Podemos, porém, já adiantar alguma coisa. Com certeza já devem ter ouvido falar daquela que chamamos de “Doutrina Social da Igreja” (DSI). Essa doutrina é o conjunto das orientações que a Igreja deu, ao longo da sua história milenar, sobre as diferentes questões sociais ao passo que se apresentavam e, portanto, pediam um posicionamento dos pastores. Podemos encontrar os ensinamentos mais organizados nas Encíclicas Sociais dos Papas, a partir de Papa Leão XIII até Papa Francisco com a “Fratelli Tutti”. Contudo, desde os primeiros séculos, com os Padres da Igreja, muitos ensinamentos foram dados. A abundância de bens materiais, a riqueza em geral, não é vista tanto como uma bênção de Deus, mas como uma responsabilidade com os demais irmãos menos abastecidos.
A Igreja ensina que sobre qualquer riqueza “pesa uma hipoteca social”, ou seja, os bens não podem servir só para o lucro ou o capricho individual ou de poucos, devem ser administrados para que todos ou, ao menos, sempre mais pessoas tenham alguma vantagem com aqueles bens. Esse retorno ou finalidade social dos bens pode acontecer de diversas formas. A mais imediata é a justa e digna remuneração dos trabalhadores. De fato, eles também contribuem com a geração da riqueza. Outro retorno para o bem comum são os “serviços sociais” que são pagos com os impostos do próprio povo e que devem ser oferecidos a todos, ou, com certeza, aos mais carentes. São “serviços” públicos: o tratamento de saúde, a educação, o transporte, o saneamento básico, a habitação, a limpeza, a segurança, entre outros. A Igreja não é contra a propriedade particular, mas cobra que seja útil e aconteça alguma forma de distribuição da renda obtida. O pagamento dos impostos e a honesta administração do dinheiro público arrecadado são formas justas de colaboração para alcançar melhorias de vida para todos os cidadãos. Sonegar impostos, pagar propinas, desviar verbas públicas são exemplos de pecados sociais gravíssimos porque causam sofrimento a muitas pessoas.