6º Juizado Especial da Zona Sul de Macapá reconhece direitos de consumidores que se sentiram prejudicados por administradoras de consórcios de automóveis

O 6º Juizado Especial Cível da Zona Sul de Macapá, que tem como titular o juiz Naif Jose Maués Naif Daibes, emitiu, neste início de fevereiro, duas sentenças importantes para o conhecimento de consumidores que tenham adquirido ou pretendam adquirir consórcios de veículos – ou mesmo de imóveis. Em ambos os casos, consumidoras que se entenderam prejudicadas pelo tratamento recebido por empresas administradoras de consórcio procuraram o apoio da Justiça para garantir seus direitos e tiveram sua tese reconhecida pelo juízo de 1º Grau.

No primeiro caso, tratado no processo Nº 0001053.52.2023.8.03.0001, uma consumidora entrou com Ação de Rescisão Contratual concomitante com Devolução de Crédito em desfavor da empresa BRQUALY Administradora de Consórcios LTDA. A autora foi diagnosticada com doença grave, carcinoma de células renais (câncer), e, portanto, também tem o direito de prioridade no acesso à Justiça e à tramitação processual.

De acordo com os autos, que podem ser acessados na Consulta de Processos do Portal do TJAP (botão Tucujuris), a requerente, à época, tinha a intenção de adquirir um caminhão por meio de consórcio e procurou a empresa, requerida, para contratar consórcio com prazo de 96 meses. A autora pagou entrada de R$ 2.942,25, relativo à parcela de adesão, e o veículo, na data da adesão (24/07/2019), valia R$ 237.521,55. A autora ainda pagou 18 parcelas que totalizaram R$ 55.130,51.
 
Ainda de acordo com sua versão no processo, a Requerente buscou rescindir o contrato devido ao avanço da doença, com intenso tratamento, além do aumento das parcelas – em razão da doença grave ela chegou a atrasar o pagamento de duas. Mesmo assim a Autora buscou solucionar a situação, sendo informada que o contrato havia sido cancelamento ou rescisão automaticamente, e que somente receberia os valores pagos ao final do grupo de consórcio.

Contudo, a Autora após o cancelamento da sua cota, foi contactada via WhatsApp pela funcionária da Requerida chamada de Anna, a qual informou que era representante da empresa requerida, com a proposta de pagamento de R$ 18.596,28 pela cota cancelada em 12 (doze) dias úteis. Aflita e em situação de necessidade, a autora aceitou a oferta inferior, no entanto não mais recebeu contatos ou satisfação da empresa administradora ou seus representantes.
 
De acordo com o magistrado, no teor da decisão, “não é razoável, nessa situação, que a Requerente aguarde o encerramento do grupo para perceber os valores pagos, cujo contrato é de 96 (noventa e seis) meses, para só então ser restituído o valor que lhe pertence, o qual se mostra necessário para ajudar na fase delicada de sua vida, uma vez que precisa de tratamento médico, medicamentos de controle e tranquilidade para enfrentar a doença”.
 
O juiz Naif, nos autos, explica que “a Requerente busca o Judiciário para que seja rescindido o contrato e devolvido os valores pagos antes do encerramento do grupo, em decorrência da Autora ter necessidade para o tratamento de doença grave a qual está acometida, sendo doença com morbidade e mortalidade elevada, sendo seu tratamento doloroso, bem como para seus familiares”.
 
O magistrado reconhece e cita, em sua sentença, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que consagra a devida restituição de valores pagos por consorciados desistentes, contudo não de imediato, e sim em até trinta dias a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do contrato. “Entretanto e consoante ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que se sobrepõe a qualquer postulado como garantia das necessidades vitais de cada indivíduo, com vida digna, é que avocamos na presente demanda, e, segundo o conceito do Ministro Alexandre de Moraes, em sua obra de Direito Constitucional, a dignidade é:

“Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade”.

O magistrado conclui sua sentença afirmando que “a medida que se impõe, de acordo com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e pela razoabilidade, que seja determinada a rescisão contratual com a devida devolução imediata dos valores referentes às parcelas pagas pela Autora, em virtude da particularidade da questão”. 

No outro processo, de número 6009642-28.2023.8.03.0001 (PJe), a autora entrou com Ação de Indenização por Danos Material e Moral Cumulado com Obrigação de Fazer e Tutela de Urgência em desfavor de Consórcio Nacional Volkswagen Administradora de Consórcio LTDA. 

Segundo consta nos autos, que podem ser acessados na Consulta de Processos do Portal do TJAP (botão PJe 1g), a autora firmou um contrato de adesão ao consórcio em dia 14 de maio de 2021, com prestações mensais sucessivas iniciadas em 22 de junho do mesmo ano. A autora começou a pagar seu consórcio de forma regular, mas deu um lance, em 22 de novembro de 2022, de R$ 17.500,00 e foi contemplada.

De acordo com sua versão no processo, a autora solicitou administrativamente a entrega do veículo ou sua carta de crédito, contudo a administradora do consórcio teria criado uma série de obstáculos para entrega do bem, inclusive com solicitação de avalista. A autora se sente prejudicada pois, desde dezembro de 2022, a requerida se nega a entregar o bem contemplado e a autora se vê obrigada a gastar com transporte para realizar seus afazeres com sacrifício, pois segue pagando parcelas apesar de já contemplada – já pagou 27 parcelas + taxa de adesão + lance.

O juiz Naif, em sua sentença, observou que apesar de a parte ré, a administradora do consórcio, sustentar que a carta de crédito não foi liberada pelo fato da autora estar negativada junto ao rol de inadimplentes, não produziu provas de tal alegação mesmo que estivesse obrigado por força da regra disposta no art. 373, II, do Código de Processo Civil. “Remanesce, portanto, a convicção de que o motivo para não liberação do crédito foi a não apresentação de fiador ou avalista, conforme defendido, subsidiariamente na contestação”, observa o magistrado na decisão.

O titular do 6º Juizado Cível da Zona Sul de Macapá também observa, nos autos, que, “embora entenda que seja direito do financiador exigir uma garantia para o seu crédito, esse direito não pode ser exercido de forma a impedir a própria função social do consórcio, pois, ao firmar o contrato, a parte autora possuía a expectativa de que efetuaria os pagamentos das parcelas e ao ser contemplada receberia a carta de crédito para adquirir o desejado veículo, o que não conseguiu até o presente momento”.

O magistrado cita que o próprio contrato de consórcio firmado entre as partes, em sua cláusula 22, previa a possibilidade da ré utilizar o veículo adquirido como garantia do negócio por meio de constituição de alienação fiduciária, mas preferiu exigir garantias outras, como o fiador/avalista, que não estavam claramente previstas no instrumento contratual e não eram do conhecimento da consumidora quando da adesão ao grupo de consórcio.

“A exigência de garantias excessivas a critério da administradora consubstancia ofensa aos princípios da boa-fé e da proporcionalidade dispostos no art. 51, IV, do CDC, colocando o consumidor em desvantagem exagerada”, afirma o juiz Naif na sentença. Diz ainda que “o direito da ré exigir uma garantia para liberar o crédito não pode ser exercido de forma abusiva, pois a função social do contrato pressupõe que sua execução deve proporcionar às partes os meios voltados para alcançar os valores e bens que não conseguiriam atingir senão mediante a recíproca junção dos seus interesses através de um acordo de vontades”.

O juiz verifica que ao fechar um contrato de consórcio a autora “depositou sua confiança nas informações prestadas pelo preposto da ré e, principalmente, daquelas previstas em contrato”, das quais se produz a impressão de que após a contemplação receberia sua carta de crédito e poderia realizar o sonho de ter o próprio carro. “No entanto, o que se verificou no caso concreto foi uma quebra não só da boa fé, como também da confiança a partir do momento que, após a contemplação do consórcio, a empresa começou a exigir garantia pessoal não prevista expressamente no pacto em detrimento de garantia real de maior robustez à proteção do crédito que seria entregue à consumidora”, continuou.

“A genérica referência contratual à expressão ‘outras garantias solicitadas pela administradora’ não atende ao sagrado dever de informação do consumidor, pois não lhe permite avaliar se essa garantia é ou não conveniente à adesão contratual”, observa o juiz Naif Maués.

O magistrado acredita que “a abusiva exigência de garantia não prevista contratualmente denota a inexecução contratual pela ré, autorizando a rescisão contratual e o ressarcimento dos valores pagos em favor do grupo, na sua forma simples, pois as partes firmaram relação jurídica negocial que justificava o dever de pagamento, não sendo, portanto, a hipótese de cobrança indevida a justificar restituição pela dobra legal”.

O verificar que a inobservância dos princípios e regras do contrato partiram da administradora do consórcio e, portanto, originaram à autora o direito de exigir sua rescisão e manifestar sua lícita e válida desistência, “a ré não pode ser opor ao argumento de que a restituição pretendida haverá de ocorrer apenas ao final de 30 dias após o encerramento do grupo”.

Assim, o titular do Juizado Sul da capital amapaense reconheceu o direito da consumidora ao recebimento do valor de R$ 31.981,66 que já pagou, imediatamente e sem qualquer dedução, valor que deve ser corrigido pelo INPC desde 14.05.2021 (data da celebração do contrato) e acrescida de juros à taxa legal de 1% ao mês (estes devidos a partir da citação).

O juiz Naif reconheceu ainda os danos morais sofridos pela consumidora, pois a injustificada recusa na liberação da carta de crédito acarretou ansiedade e frustrou a expectativa da parte autora de adquirir o primeiro automóvel. “Verifico que o descumprimento contratual por parte da empresa se deu de forma injustificada, já que a parte autora cumpriu todos os requisitos contratuais para a concessão do seu crédito”, complementou.

O magistrado condenou a empresa a pagar à consumidora uma indenização de R$ 5.000,00, corrigida monetariamente pelo INPC e acrescida de juros à taxa legal de 1% ao mês, a partir da data da sentença.


– Macapá, 15 de fevereiro de 2024 –

Secretaria de Comunicação do TJAP

Texto: Aloísio Menescal

Arte: Carol Chaves

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