Dívida ativa da União supera arrecadação e tem cobrança lenta
Em tempos de ajuste fiscal para equilibrar as contas do governo, o valor da dívida ativa da União impressiona. Calculada em R$ 1,58 trilhão em dezembro, ela supera a arrecadação de 2015, que foi R$ 1,274 trilhão, número atualizado pela inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A recuperação desse montante é lenta. A diretora do Departamento de Gestão da Dívida Ativa da União da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Pgfn), Anelize Lenzi, estima que, por ano, somente 1% da dívida é resgatado pelas instâncias que a cobram.
“Temos feito atividades de qualificação desse débito e do devedor. Temos um grupo de trabalho que está classificando o estoque da dívida. [O trabalho consiste em] olhar para aquelas inscrições em dívida ativa e ver quem é o devedor, que tipo de tributo estou cobrando, qual o vencimento, se é pessoa física ou jurídica”, enumera. Uma das ações integrantes do esforço de cobrança é o convênio com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), assinado no fim do ano passado, prevendo que imóveis de proprietários em débito sejam destinados à reforma agrária.
“A gente vem com aproximação com o Incra há alguns anos, mas só no fim de 2015 isso se concretizou em convênio. O Incra nos passou uma lista de imóveis que interessam para reforma agrária, pouco mais de 4 mil. Cruzamos com nossos dados e todos eram de devedores da Fazenda. Como não conseguimos fazer um trabalho em torno de tantos, filtramos até chegar a 16”, disse. De acordo com Anelize, são imóveis de grande porte. “São casos em que o Incra tem interesse na reforma agrária e a Fazenda tem interesse, porque resolve uma dívida muito grande”, esclarece.
A diretora informa que somente a dívida dos proprietários desses 16 imóveis soma mais de R$ 1,3 bilhão. Ela explica que ainda não se sabe se a incorporação deles ao patrimônio da União saldará todo o débito. “A análise do valor dos imóveis a gente está fazendo agora, caso a caso. Quem faz são os técnicos do Incra”. De acordo com Anelize, não há prazo para concluir a adjudicação (nome do ato judicial que concede posse sobre bens) dos imóveis dessa primeira lista.
“Não tem prazo. A gente está em contato semanal [com o Incra] para isso andar. Até o fim do ano, pelo menos os três [imóveis] mais relevantes, a gente já queria ter o encaminhamento concreto”, ressalta. Ela conta, ainda, que uma orientação nessa primeira leva de imóveis foi priorizar os envolvidos em situações de conflito agrário. De acordo com a diretora, a Pgfn também acompanha de perto os grandes devedores, que são poucos, mas respondem pela maior parte da dívida ativa.
“A gente considera grande devedor aquele que tem acima de R$ 15 milhões em débito consolidado. Eles são menos de 1% dos devedores, mas devem, aproximadamente, 70% do valor do estoque”, ressalta. Segundo ela, embora os 500 maiores devedores (veja lista abaixo), sejam observados de perto, reaver as quantias devidas por eles pode demorar. “É possível que um grande devedor tenha suas inscrições [na dívida ativa] suspensas por decisões judiciais”, exemplifica. Segundo ela, a quantidade de pessoas físicas e jurídicas com débitos a partir de R$ 15 milhões é de 11 mil.
Outro exemplo de ação possibilitada pela análise do perfil da dívida, segundo a diretora, foi uma alteração na inscrição de débitos dos microempreendedores individuais. Além do CNPJ, a Pgfn passou a inscrever, também, o CPF desses devedores. “Pela lei, a pessoa física é 100% responsável pelos débitos da pessoa jurídica. Por uma questão de sistema, a gente só inscrevia o CNPJ. O CPF ficava desvinculado. A gente alterou no segundo semestre de 2015 e, agora, fez um levantamento e pediu para incluir todos os CPFs retroativamente. O débito inscrito [dos microempreendedores individuais] é R$ 17 bilhões. A gente tem expectativa de arrecadar uns 10%, só com essa ação”, diz.
Entraves
Segundo Anelize Lenzi, porém, os esforços de agilidade na cobrança da dívida esbarram em entraves. Um deles é a falta de acesso a tecnologias mais eficazes. “Qualquer instituição que trate um volume imenso de dados, no mundo atual, faz isso a partir de ferramentas e tecnologias que te permitam olhar e adotar atividades gerenciais. Mas o que a gente faz hoje é artesanal. É processo por processo, crédito por crédito”, diz. Segundo ela, para identificar bens e informações sobre os devedores, por exemplo, os procuradores acessam mais de 30 bases de dados de outros órgãos.
“Eu jogo o CPF [do devedor] no Renavam [Registro Nacional de Veículos Automotores], Irpf [Imposto de Renda Pessoa Física], Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]. É irreal”, comenta. Segundo ela, já está em curso uma medida para melhorar essa questão. “Estamos fazendo um sistema que se chama modulo de diligência, que vai lá e busca o dado. Temos isso para débitos até R$ 1 milhão, [com dados do] Renavam, toda a base de precatórios e declaração de operações imobiliárias. O que a gente está trabalhando para esse ano é interligar as outras bases”, explica.
A falta de uma carreira de apoio às atividades dos procuradores, segundo ela, é outra dificuldade. “Você está usando o procurador, mão de obra super qualificada, para tirar xerox”, diz. Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), a proporção atual de mão de obra de apoio é 0,7 servidor para cada procurador da Fazenda. Achilles Frias, presidente do Sinprofaz, critica ainda os sistemas tecnológicos usados no trabalho, que classifica de “obsoletos”.
No fim do ano passado, a presidenta Dilma Rousseff enviou ao Congresso Nacional dois projetos de lei prevendo, além de medidas relacionadas a honorários e exercício da advocacia privada, a criação de uma carreira de apoio à Advocacia-Geral da União. A categoria também engloba os procuradores da Fazenda Nacional. Segundo Achilles Frias, o Sinprofaz aguarda a aprovação das propostas.
Conheça os dez inscritos na Dívida Ativa da União com os maiores débitos :
1- Vale S.A: R$ 43,3 bilhões*
2- Carital Brasil Ltda. (ex Parmalat Participações): R$ 25,4 bilhões
3- Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras): R$ 16 bilhões
4- Indústrias de Papel R.Ramenzoni: R$ 9,9 bilhões
5- Duagro S.A Administração e Participações: R$ 6,7 bilhões
6- Viação Aérea São Paulo S.A: R$ 6,36 bilhões
7- Manole Jancu: R$ 6,34 bilhões
8- Banco Bradesco S.A: R$ 5 bilhões
9- Viação Aérea Rio-Grandense S.A (falida): R$ 4,7 bilhões
10- American Virginia Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Tabaco: R$ 4,2 bilhões
*Valores da dívida consolidada. Podem incluir montantes parcelados ou suspensos pela Justiça.
Fonte: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Mariana Branco – Repórter da Agência Brasil Edição: Alberto Mendonça Coura