Dom Pedro Conti: Podem pegar o meu quarto

Guido tinha 13 anos e frequentava a quinta série. Tinha sido reprovado duas vezes. Era um menino grande e meio desajeitado, entendia as coisas com dificuldade, mas era benquisto pelos colegas. Ajudava em tudo, sempre disponível e sorridente. Era o protetor natural dos meninos menores. A apresentação natalina das crianças era o evento mais importante da Comunidade da qual a família de Guido participava. Ele teria gostado de ser o pastor que tocava a flauta, mas a catequista lhe deu uma parte mais exigente: ser o dono da hospedaria, porque ia dizer poucas palavras e o seu porte físico daria mais força à recusa de acolher Maria e José. Na noite da apresentação, o pequeno salão comunitário estava cheio de pais e parentes. No palco aconteceria a encenação. Chegou o momento no qual José bateu palmas para que o dono do albergue abrisse. Foi a vez de Guido pergunt ar:

 – O que vocês querem?

 – Buscamos hospedagem. Respondeu José apresentando Maria grávida.

 -Busquem outro lugar, aqui não tem vaga. Disse Guido conforme a parte decorada. José continuou:

 – Senhor, por favor, já procuramos muito e não encontramos nada. Estamos muito cansados.

– Aqui não tem lugar. Continuou Guido, fazendo cara feia.

– Bom senhor, tenha compaixão de nós, a minha esposa está para ter o seu primeiro filho, com certeza irá encontrar um lugar para ela. De repente, o rosto do hospedeiro pareceu ficar mais doce; houve uma grande pausa de silêncio e o público ficou preocupado.

– Não tem lugar! Ide embora! Sugeriu baixinho a catequista escondida de lado.

– Não tem lugar! Ide embora! Repetiu automaticamente Guido.

 Triste e de cabeça baixa, José abraçou Maria e começou a se afastar com ela. Guido ficou olhando para o pobre casal, pensativo, os seus olhos se encheram de lágrimas. De repente, a peça tomou outro rumo.

– Não vai embora não, José! – Gritou Guido. – Traz aqui Maria! – O rosto de Guido se iluminou. – Podem pegar o me quarto. Disse com a maior satisfação. O público ficou pasmado. Alguns acharam que ele tinha estragado de vez a peça, mas muitos, instintivamente, aplaudiram. Disseram que tinha sido a mais natalina de todas as peças de Natal.

Um caso da vida dentro da história do Natal, com um final diferente. E o nosso Natal o que terá de novo? Ainda estamos no último Domingo de Advento, mas o clima é natalino. Como outras vezes, estamos ocupados em repetir palavras e gestos que consideramos obrigatórios para esses momentos. Sem compras, sem presentes, sem luzes e sem votos de Feliz Natal, este dia seria igual a tantos outros. Não deve ser assim, mas não só porque repetimos o que consideramos tradicional. Aquele primeiro Natal foi tão único e extraordinário, que nunca mais vai acontecer algo semelhante. Naquela criança recém-nascida se revela, uma vez por todas, a grandeza do amor de Deus Pai que “amou tanto o mundo que deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Por bonitos que sejam os enfeites natalinos, incluindo o Papai Noel brincalhão, as árvores e tudo mais, não teria sentido para um cristão esquecer, desvalorizar ou confundir tanta exterioridade com o fato que o Natal é de Jesus, o Filho de Deus, obra do Espírito Santo em Maria. Enviado pelo Pai “não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17).

Cabe a nós, cristãos, celebrarmos a alegria do Natal à luz da nossa fé, na contemplação e comunicação de um “mistério” que supera todos nós, mas que nos envolve e nos salva das armadilhas do consumo, da superficialidade e das decepções humanas. O Deus no qual confiamos, não brincou de salvador, comprometeu-se pessoalmente, fez da sua vida um dom até o seu último suspiro e continua a propor a si mesmo como o sentido maior e mais profundo da existência humana. O Natal de Jesus é a festa de quem ainda sabe maravilhar-se, de quem continua “esperando contra toda a esperança” (Rm 5,18), de quem caminha “como se visse” o invisível (Hb 11,27). Vale a pena ceder a ele o nosso quarto, o mais íntimo do nosso coração. Para que nos ensine sempre, de novo, a amar.  

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