Venezuela: América Latina vive o maior êxodo da História Moderna, segundo Nações Unidas

Um pai de família que deixa o local onde mora em busca de dinheiro para a cirurgia da esposa. Um jovem que não teve a chance de estudar, mas sonha um dia poder dar aulas. O repórter Victor Ribeiro esteve em Roraima e conta histórias de venezuelanos que cruzaram a fronteira com o Brasil.

Desde 2017, cerca de 180 mil venezuelanos entraram no Brasil como imigrantes ou refugiados. Antes da decisão do presidente Nicolás Maduro de fechar o acesso com a fronteira brasileira, na semana passada, cerca de 550 pessoas faziam a travessia todos os dias.

No dia em que Maduro anunciou o bloqueio mais de 800 venezuelanos atravessaram a fronteira.

A maioria dessas pessoas estava de passagem, rumo a outros países, como Colômbia, Equador e Argentina. Mas cerca de 10 mil continuam por aqui: são 5,8 mil em Roraima e 4,2 mil nos 15 estados que participam da interiorização dos imigrantes.

Eles fogem da fome, do desemprego, da inflação e da perseguição política. O medo faz parte da rotina dessas pessoas.

Os poucos venezuelanos que aceitaram gravar entrevista exigiram manter anonimato. Por isso, vamos usar nomes fictícios.

Juan morava na capital, Caracas, com a esposa e uma filha, até que a mulher precisou fazer uma cirurgia. Sem recursos para o tratamento, ele deixou o serviço público em direitos humanos. Aos 44 anos, tornou-se camelô nos semáforos da capital de Roraima, Boa Vista.

“Quando cheguei aqui, fiquei na rua. Tenho minha casa, tenho comodidade, mas minha esposa está doente de um rim e tive que dormir na ruas.  Mas Deus foi me ajudando e consegui seguir adiante. Vim até aqui com o propósito de trabalhar, de ajudar minha família lá na Venezuela. Só queremos que nos tratem bem, que não nos humilhem. Por sermos imigrantes, que não nos humilhem. Simplesmente vejam as qualidades humanas.”

Encontrei Juan e os outros entrevistados na fila para receber comida, em um posto de informação da Operação Acolhida, ao lado da Rodoviária Internacional de Boa Vista. O local oferece um teto para os imigrantes dormirem, depois de passarem o dia vagando pelas ruas da cidade. É uma espécie de acampamento, que só funciona à noite, e se divide em três partes: uma delas para famílias, em outro local dormem as mães com crianças e, em outra área, ficam os homens solteiros.

A cozinheira María, que costumava vender tortas sob encomenda na cidade de Tigrito, também estava na fila para receber comida. Como quase todos, ela segurava uma garrafa pet, dessas de refrigerante de dois litros, cortada pela metade. Sem pratos, é nessas garrafas que eles recebem e guardam o alimento que, muitas vezes, é a única refeição do dia. María sonha com a possibilidade de ir para outra cidade, por meio do programa de interiorização.

“Cheguei com meu filho, de 17 anos, e, bem, buscando um futuro melhor, como todos nós, para ajudar nossos familiares lá na Venezuela. Existe um pouco de dificuldade de conseguir trabalho aqui em Boa Vista. Aqui não tem muito emprego, mas tem em Manaus, Santa Cecília, Mato Grosso… nas outras cidades..”.

Os venezuelanos com quem conversei avaliam que o governo popular de Hugo Chávez era bom, mas a gestão do sucessor, o atual presidente, Nicolás Maduro, só trouxe problemas. Entre eles, a corrupção generalizada, que afeta diversos serviços públicos.

A maioria pretende fazer o caminho de volta assim que o grupo político de Maduro deixar o poder. Carlos tem 21 anos e é uma exceção: não tem pressa de voltar. Ele me contou que, desde os 17 anos, tenta uma vaga em uma escola superior das Forças Armadas da Venezuela. Mas, sem pagar propina, não conseguiu. Agora, Carlos cata latas nas ruas de Boa Vista e quer estudar no Brasil, antes de voltar ao país natal.

“Tenho fé na Venezuela que tudo vai mudar. Queria poder estudar, mas como não consegui uma vaga, decidi trabalhar, porque se não trabalhasse, não comeria. Amo muito o meu país, mas não quero voltar, porque gostaria de aprender a cultura do Brasil. Gostaria de aprender o idioma, porque nosso país vai mudar e eu sei que vai se transformar em uma potência, e vão precisar muito que os venezuelanos saibam falar com as pessoas daqui, para a imprensa, a indústria… Para ver se me dão o apoio para ser professor de português para o meu povo.”

De acordo com a ONU, somente no ano passado, todos os dias 5 mil pessoas deixaram a Venezuela. Ainda segundo as Nações Unidas, esse é o maior êxodo na história moderna da América Latina. E o impacto da migração em massa é de aproximadamente R$ 3 bilhões.

No Brasil, a assistência aos venezuelanos é prestada pela Operação Acolhida, coordenada pelas Forças Armadas, em parceria com o governo de Roraima e a ONU. No fim do mês de janeiro, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, visitou a região de fronteira e declarou que a perspectiva era de que a situação ficasse ainda pior.

No ano passado, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi reeleito com 68% dos votos para um mandato de seis anos. Um grupo de observadores internacionais acompanhou a votação. Mesmo assim, a oposição se recusou a aceitar o resultado das urnas. Isso aumentou a polarização política e devastou a economia do país. Há pouco mais de um mês, o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente da Venezuela, o que agravou o clima de incertezas.

É uma crise que separa famílias, interrompe carreiras profissionais, mas é incapaz de destruir sonhos.

EBC

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