ICMBio e UFMA condenam senador por especulação imobiliária nos Lençóis Maranhenses
De acordo com os estudos, o senador maranhense utilizou falsos argumentos socioambientais para camuflar a construção de restaurantes, hotéis e casas de veraneios nos campos de dunas, em uma clara ameaça à rica biodiversidade dos Lençóis.
Por Raimundo Garrone – de São Luís
Notas técnicas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (Leia Aqui) e do Grupo de Estudos Rurais e Urbanos – GERUR da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) colocaram em dúvidas os reais objetivos do projeto de lei do senador Roberto Rocha que altera os limites do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM).
De acordo com os estudos, o senador maranhense utilizou falsos argumentos socioambientais para camuflar a construção de restaurantes, hotéis e casas de veraneios nos campos de dunas, em uma clara ameaça à rica biodiversidade dos Lençóis.
As alterações do Projeto de Lei (PLS 465/2018) incluem a retirada do interior da unidade de conservação dos territórios habitados pelas comunidades tradicionais e amplia em outras direções, como uma espécie de compensação pelas terras excluídas, a área protegida pelo PNLM.
O fomento a um turismo sustentável e a correção das injustiças às famílias incluídas indevidamente pela ausência de uma tecnologia precisa no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, quando de sua criação em 1981, foram alguns dos argumentos elaborados pelo senador para justificar o seu projeto.
Grandes negócios
Rocha diz que a “inclusão indevida de comunidades no Parque causou problemas graves, como a proibição da construção de equipamentos públicos sociais essenciais à população… e impediu a instalação de empreendimentos como restaurantes, pousadas e hotéis, numa região cuja a vocação econômica é justamente o turismo”.
E cita como exemplo exitoso e inspirador o ocorrido no Parque Nacional de Jericoacoara, onde, segundo garante e afirma, que deixar de fora da área protegida, quando do seu processo de criação, a Vila de Jericoacoara, permitiu “o desenvolvimento de todo o potencial econômico gerado pela conservação ambiental”.
Mas é a partir do que exemplifica, que o projeto de Roberto Rocha começa a vir abaixo em uma avalanche de mentiras que termina por expor os verdadeiros riscos à rica biodiversidade dos Lençóis e às famílias excluídas, em privilégio aos lucros dos grandes negócios voltados para o turismo, caso o PLS seja aprovado no Senado.
Pescadores
O uso do Parque Nacional de Jericoacoara (PNJ) como exemplo de unidade que conciliou o desenvolvimento turístico com a preservação ambiental e respeito às comunidades foi fragorosamente desmentido pelo ICMBio.
Vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Chico Mendes ressalta que grande adensamento populacional foi o que impediu a inclusão da Vila de Jericoacoara no PNJ, e que, ao contrário do que imagina Rocha, as comunidades tradicionais foram as mais drasticamente atingidas durante o processo de “desenvolvimento” do famoso parque no Ceará.
“As comunidades pesqueiras tradicionais foram as mais prejudicadas, pois acabaram vendendo suas residências para empreendedores do setor turístico, principalmente para instalação de pousadas de luxo, e hoje residem distantes das áreas de pesca, muitos deles marginalizados”, destaca a nota técnica do ICMBio.
Processo idêntico pode ocorrer com as comunidades tradicionais que historicamente habitam o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
‘Turismo sustentável’
Segundo o trabalho da equipe de pesquisadores da UFMA, a falta de estudos fundamentados e a ausência de qualquer indício que possa garantir a participação das comunidades excluídas como sujeito, e não como objeto do desenvolvimento, levará as famílias excluídas do Parque a vender suas poses a preços irrisórios e se transformar em mão de obra desqualificada e barata de hotéis e pousadas.
“A ênfase, predominantemente econômica, no sentido de privilegiamento de negócios de grandes empresários voltados ao turismo, aparece no PLS por vezes disfarçada de atendimento a um problema social”, diz o relatório elaborado por antropólogos, geógrafos e biólogos que formam a equipe multidisciplinar do Grupo de Estudos Rurais e Urbanos da UFMA.
O GERUR explica que longe de apresentar propostas que contemplem, de forma preponderante, a proteção da natureza e a organização social e econômica das famílias, o projeto de Roberto Rocha enfatiza as possibilidades de negócios ao que denomina de “turismo sustentável”, uma expressão bastante vazia, pois não especifica qual sustentabilidade estaria em jogo nessas atividades de recepção de turistas no Parque.
Nota técnica
Outro aspecto que contribuiu para o descrédito do projeto é a descoberta que a ampliação compensatória, alardeada como uma preocupação pessoal, não passa de uma artimanha para fazer crer no sentimento benfazejo que move o bater de asas do tucano maranhense.
Pois não é que de acordo com a ampliação proposta haverá um aumento de 92,15% de oceano e a redução de 25,41% nas áreas de restinga!
E caso seja subtraída a parte ampliada na zona costeira, a parte estendida em terra firme, onde se encontram os principais ambientes a serem protegidos, é menor do que a área excluída!
A nota técnica do ICMBio é assinada pelo chefe e o chefe substituto do Parque Nacional dos Lençóis, Adriano Ricardo Damato Rocha de Souza e Yuri Teixeira Amaral; e a da UFMA pela equipe multidisciplinar de pesquisadores coordenada pelos antropólogos doutores Maristela de Paula Andrade e Benedito Souza Filho.