Aprender a dizer ‘não’ é fundamental para o bem-estar, diz psicóloga

Dificuldade em estabelecer limites ao outro pode estar ligada à baixa autoestima e ser gerador de uma série de transtornos psicossomáticos

Alex Bessas

Dotado de reverência, o momento em que os noivos dizem “sim” um para o outro nas cerimônias de casamento é atravessado de significados e comunica aos apaixonados e aos convidados, alçados ao posto de testemunhas, a ideia de concretude daquele enlace amoroso. Um breve instante que pode eternizado como uma boa recordação – mesmo para casais que posteriormente se separam, mas compreendem aqueles segundos como parte de um tempo de felicidade compartilhada. Nenhuma dessas significações se aplica à história de Antônio*, hoje com 49 anos.

Um exemplo extremado de como a dificuldade de dizer “não” pode gerar frustrações e causar sofrimento, o engenheiro eletricista está em processo de divórcio depois de 18 anos se submetendo ao juízo dos outros, sem jamais olhar para suas próprias vontades por temer que, ao se posicionar, fosse rejeitado. “Eu estou saindo de um casamento em que a vida inteira me senti infeliz… Por não saber dizer não, eu entrei em um matrimônio que eu não queria”, lamenta, recordando, em fluxo de consciência, outras diversas situações desagradáveis, complicadas e perigosas em que se pôs pela inabilidade de contrariar quem quer que seja.

A psicóloga clínica Telma Cunha alerta ser uma característica do ser humano o desejo de se sentir acolhido e de evitar situações em que possa ser rejeitado. Portanto, o receio de frustrar as expectativas de alguém é, em certa medida, normal. Mas há um limite entre o se doar, o medo de soar antipático recorrendo a um redondo “não” e o completo se anular ao dizer “sim” para tudo, pondera. Neste caso, estamos falando de um comportamento potencialmente danoso e que pode gerar uma série de transtornos psicossomáticos. “Sempre dizer sim para o outro, mesmo quando essa resposta não é condizente com o que queremos, é dizer não para nossos próprios desejos”, pontua, acrescentando que o comportamento pode levar a um quadro de angústia, se desdobrando em diversos problemas de saúde física, mental e emocional.

A origem do problema pode estar ligada a uma autoestima baixa e à história de vida: “Em algumas situações, é preciso fazer um trabalho para que a pessoa se entenda como protagonista da própria história e perceba que tem direito de falar não. Atendo muitos casos em que noto que os pacientes se sentem inadequadas, pensam que serão rejeitados. Algumas pessoas ficam presas ao rótulo de ‘boazinhas’, de maneira que ao falar ‘não’ acabam se vendo em situação de constrangimento, pois aquela resposta não era esperada”, afirma.

Antônio concorda. “Entrei em muitas coisas na vida por não me posicionar, como no meu trabalho. Quando algum colega pede para que eu faça algo, mesmo que não esteja em minha alçada, acabo aceitando fazer”, cita. Ao longo da vida, ele evitou lojas em que tivesse que lidar com vendedores: “Eu me sentia na obrigação de comprar algo, mesmo que nada me agradasse”.

Além disso, reconhece que, mesmo em situações em que estava dirigindo, já cedeu à pressão de amigos e acabou ingerindo bebidas alcoólicas – uma infração administrativa que pode levar à aplicação de multa, perda da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e apreensão do veículo. Caso dirigisse sob influência de álcool, isto é, com alteração da capacidade psicomotora e ostentando uma condução perigosa, Antônio poderia, além de colocar em risco a própria vida e a dos outros, responder criminalmente e ser até mesmo preso.

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Exercícios ajudam na hora de dizer ‘não’

Lembrando não se tratar de uma regra e que o comportamento humano é atravessado por diversas e difusas influências, Telma cita que, em sua experiência clínica, observa que muitos dos indivíduos que demonstram uma postura muito passiva e têm dificuldade de dizer “não” foram criados de forma mais agressiva na infância: “São comuns, nesses casos, os relatos de pais que não deixavam as crianças se manifestar, de forma que, mesmo adulta, aquela pessoa vai introjetar que se posicionar é errado”, comenta, reforçando que o oposto também é perigoso. “Do outro lado, temos pais que preservam seus filhos do não, mas elas também precisam ser apresentadas às negativas”, diz.

A psicóloga aponta que leva tempo até que, primeiro, o paciente se sensibilize da situação que está vivendo e, depois, entenda o que está acontecendo. “Não adianta já partir para a prática, que precisa ser precedida da consciência de que nós é que somos responsáveis por colocar limites para os outros”, avisa.

Telma propõe que o dizer “não” seja entendido como uma habilidade, que pode ser exercitada. “Podemos fazer um exercício semanal: escrevendo em uma folha quais experiências tivemos ao falar ‘não’ e como que foi esse não, se com justificativas ou mais direto”, aconselha. Ela lembra que algumas pessoas se sentem mal depois de recusar uma ajuda, por exemplo. “Há certo prazer em ser disponível, em doar a si mesmo. Então, é importante descobrir também quais sentimentos positivos o não pode nos trazer”, conclui.

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