O que vem aí para o nadador Daniel Dias, depois de Tóquio
Maior medalhista paralímpico do Brasil encerrou a carreira
A prova que encerrou a carreira de Daniel Dias como nadador paralímpico durou pouco mais de 30 segundos. Os 50 metros livre S5 passaram rápido, mas o o trabalho do paulista de 33 anos retrocede por pelo menos 17 anos e produziu uma centena de pódios em competições de alto nível. Agora, ele quer conquistar outras vitórias fora da super plataforma que é a piscina.
Na primeira entrevista coletiva que concedeu após fechar a participação em Tóquio, Daniel Dias brincou, mais de uma vez, quando perguntado sobre os planos para o futuro. Disse que pode tentar uma vaga na área de comunicação do Comitê Paralímpico Brasileiro por ter estudado marketing. Também contou querer ao menos experimentar correr com próteses semelhantes às de Vinícius Rodrigues, velocista da classe T63 (para atletas com comprometimento em membros inferiores) e medalhista de prata no Japão.
Mas a verdade é que Daniel tem missões sérias a cumprir e parece determinado a persegui-las. Uma delas é intensificar os trabalhos no Instituto Daniel Dias, sediado em Bragança Paulista, onde morava até se mudar recentemente para Atibaia. Lá, ele trabalha a natação para pessoas com deficiência, de forma a ajudá-las a se desenvolverem, seja dentro ou fora de uma carreira no esporte. O Instituto completa sete anos em 2021.
Enquanto pensa nos frutos que esse trabalho a longo prazo pode render, o nadador não tira os olhos de algo que acontece no presente e influenciou diretamente seus resultados em Tóquio. O assunto da reclassificação funcional foi tema de muitas perguntas a Daniel antes e durante os Jogos e agora, que ele não compete mais, finalmente, se sentiu à vontade para expor tudo o que pensa.
A maioria dos adversários que chegaram à frente dele – Daniel chegou em terceiro lugar três vezes em seis provas – foram reclassificados da classe S6 para a S5 nos últimos anos. Isso significa que atletas com menor comprometimento nos membros, com tempos às vezes inalcançáveis para ele, caíram de para-quedas nas suas provas. Na primeira delas, os 200 metros livre, Daniel chegou a brincar, dizendo que o braço do italiano que venceu (Francesco Bocciardo) era maior do que o de seu técnico.
Daniel tem comprometimento em três membros (dois braços e uma perna), enquanto, por exemplo, os três chineses que ocuparam o pódio na prova derradeira do brasileiro, têm dois membros limitados (no caso, os dois braços). Durante a entrevista coletiva, Daniel repetidamente criticou os critérios de classificação, que são bastante subjetivos. Os nadadores e nadadoras são classificados das classes S1 a S10 de acordo com as limitações motoras, mas o limiar entre as classes não é pré-determinado.
“A natação vem evoluindo mas a classificação não está acompanhando isso. Tenho conversado com muitos atletas, que estão desistindo de competir justamente por conta disso. Esse assunto precisa ser falado”, disse.
Daniel destacou que não existe nenhuma espécie de rixa com os adversários que desceram de classe. Pelo contrário, os chineses, por exemplo, até pediram para tirar fotos com ele após a prova. A discordância é com relação ao sistema que, no modo de entender do nadador brasileiro, pode se aproveitar de tecnologias que avançam dia após dia e assim se tornar mais objetivo.
O maior medalhista paralímpico do Brasil e maior nadador paralímpico do mundo entre os homens tem um caminho direto para tentar mudar isso. E a reputação que construiu ao longo da carreira pode ajudar. Até esta sexta-feira (3), os atletas de todas as modalidades votam, majoritariamente na Vila Paralímpica, para decidir quem fará parte do Conselho de Atletas do IPC (Comitê Paralímpico Internacional) para o próximo ciclo. Daniel concorre a uma das seis vagas, junto com outros 21 pretendentes. Integrar este grupo é participar das assembleias que determinam os parâmetros do esporte paralímpico nos anos que seguem. Um desses parâmetros é justamente a reclassificação funcional.
“Estamos aqui para somar. Quero ser um porta-voz das causas dos atletas. O que nós queremos é que técnicos, nadadores, biomecânicos e todo tipo de profissional sejam ouvidos. Precisamos melhorar esse sistema. E estando juntos é mais fácil conseguir isso”.
EBC