Desmatamento: Cerrado perdeu maior área em cinco anos, superando oito mil km² em 2021
ury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – O desmatamento no segundo maior Bioma da América do Sul atingiu, em 12 meses, 8.531,44 km², segundo dados do projeto Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que realiza o monitoramento da devastação das florestas, por meio de imagens de satélite. O chamado corte raso, ou seja, a eliminação completa de qualquer vegetação sobre determinada área, fechou, em 2021, no Cerrado, como o mais devastador desde 2016.
Os números foram divulgados em 31 de dezembro e compreendem o período de agosto de 2020 a julho de 2021, apresentando alta de 7,9% em relação a igual período um ano antes.
O Cerrado apresentou, em anos anteriores, números de desmatamento ainda mais alarmantes, como em 2001, quando foram mais de 26 mil km² de destruição. Os números altíssimos continuaram, porém em queda e depois em oscilação, até 2015, com 11 mil km². De 2016, até então, veio caindo, mas voltou a crescer em 2019. Para o WWF-Brasil, este é um reflexo da política ambiental do Governo Bolsonaro.
“Realmente, quando a gente olha para o histórico no Cerrado, ele foi um bioma muito negligenciado e isso continuou ao longo das últimas décadas, principalmente com o avanço das tecnologias agrícolas. Então, é isso que justifica os números extremamente altos que a gente teve até 2015. Em 2016, aumentou a preocupação com o Cerrado; se começou a ter essa discussão mais forte sobre o impacto, principalmente da soja se expandindo sobre áreas de vegetação nativa. E o que a gente vê agora é, de fato, um retrocesso com base na questão da política ambiental e da forma como vem sendo tratada a questão do desmatamento no Brasil”, pontuou, em entrevista à CENARIUM, o diretor de Ciências e Conservação do WWF-Brasil, Edegar de Oliveira.
O especialista critica o fato de que o Brasil não possui ferramentas de comando e controle implantadas de maneira efetiva. “Então o desmatamento volta a subir, justamente com essa visão de impunidade, de que ‘tudo bem desmatar’, que isso vai ser reconhecido em algum momento, no futuro, como área legalizada. Essa é uma mensagem que é muito forte hoje, vindo por parte do governo”, acrescentou Oliveira.
Veja a evolução do desmatamento do Cerrado em 20 anos
Agro impulsiona
Entre os campeões de desmatamento do Cerrado neste último ano, estão Maranhão, responsável pela destruição de mais de 2 mil km²; Tocantins, com 1.750 km² devastados; Bahia, com 925,11 km² de vegetação arrancada e, Goiás, com 920,45 km². Na avaliação do WWF-Brasil, um dos motivos é a nova fronteira agrícola do País, localizada no Matopiba, entre Tocantins, Piauí e Bahia, região que envolve parte do bioma.
“O Cerrado foi realmente a grande fronteira agrícola nas últimas décadas e continua sendo. O que a ciência e os dados mostram é que o Brasil não precisa desmatar mais nada para continuar crescendo em produção, até mesmo de commodities para a exportação. A gente já tem área aberta para atender toda a expectativa de crescimento. E o pior é que os próprios produtores não percebem que o combate ao desmatamento é uma agenda de interesse do agro”, apontou, Edegar de Oliveira.
Ele explica que, além da emergência climática, causada, em grande parte, pelo desmatamento não só do Cerrado, mas de outros biomas, como a Amazônia, afetam, inclusive, o agronegócio, mas que os produtores não abrem os olhos para o combate, justamente, pelo negacionismo alimentado pelos posicionamentos e ideias do Executivo nacional.
“Se a gente continuar com esse ritmo de desmatamento, o que a ciência já está mostrando, e nós já estamos sentindo isso na pele, é o aumento de eventos extremos climáticos, que seriam chuvas concentradas e mais fortes, como a gente está vendo na Bahia, ou períodos de seca mais prolongados, como a gente viu em diversas regiões do Brasil, também. Então, esse aumento de eventos extremos afeta, inclusive, a agricultura. Por isso, o combate ao desmatamento deveria ser a agenda número 1 do produtor agropecuário brasileiro, porque isso seria a garantia de sustentabilidade não só ambiental, mas, também, econômica, em longo prazo”, destacou.https://5f64b60128d134c483368a056db12c4c.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Veja como foi o desmatamento do Cerrado, por Estado, em 2021
Ameaça ao Prodes, consequências e metas (quase) inalcançáveis
O monitoramento do Cerrado, feito pelo Prodes, teve continuidade até o último mês de dezembro, mas ainda não há verba garantida para 2022. Os recursos para tal atividade são provenientes do Programa de Investimento Florestal (FIP), por meio do Banco Mundial. O dinheiro estava previsto para durar até, pelo menos, setembro de 2020; foi estendido por mais um ano, fechando em 2021. A ameaça não é apenas perder a autonomia para monitorar a savana mais diversa do planeta, com 2 milhões de quilômetros quadrados, mas também alcançar as metas estabelecidas na última conferência climática, ocorrida em Glasgow, a COP26.
“O Prodes, tanto o Prodes Amazônia quanto o Prodes Cerrado, é instrumento fundamental de monitoramento e de controle do desmatamento, viabilizam saber onde os problemas estão acontecendo, junto com o Deter [levantamento também realizado pelo Inpe]. Perder essa base de dados, esse sistema de monitoramento e de alerta, significaria perder uma ferramenta muito importante para o Brasil, tanto para definir políticas públicas como também para demonstrar os compromissos que ele assumiu”, declarou o diretor de Ciências e Conservação do WWF-Brasil.
O especialista garante que o Brasil tem um histórico de combate ao desmatamento e já teve sucesso muito positivo na Amazônia. “Então, a gente sabe como fazer isso. Só precisa ter vontade política. Nesse governo isso não ocorre”, criticou.
“Mas, esperemos aí, que no próximo governo, a gente consiga ter uma política ambiental mais forte e que consiga de fato, esse resultado de reduzir o desmatamento. Independentemente de ser legal ou ilegal, a gente precisa acabar com o desmatamento de uma maneira geral até 2030. E para o Brasil, isso é viável e não representa nenhuma perda de potencial de desenvolvimento econômico. A gente precisa fortalecer formas de desenvolvimento que preservem o Cerrado, mas também outros ecossistemas como a própria Amazônia”, concluiu Edgar de Oliveira.