Paulo César Régis de Souza: Previdência Social – 100 anos

O marco principal da Previdência Social no Brasil é a Lei Eloy Chaves de 1923, com Decreto Legislativo 4.682/1923, de 24.01, que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP), inicialmente voltadas apenas às empresas de estradas de ferro. O Jornal Brasil saudou: “abrem-se novos horizontes ao proletariado nacional. As grandes generosas inovações introduzidas”. Chaves se inspirara em Otto Von Bismarck, com a Previdência Alemã de 1883.

O que assistimos nestes 100 anos foi, de um lado, uma Previdência que beneficiou mais de cinco gerações de brasileiros, cerca de 100 milhões de pessoas, com um quadro de previdenciários, que chegou a 130 mil servidores, uma luta desesperada para manter o ideário de Eloy Chaves, bem como seu legado, de uma previdência com contribuição do empregador e do trabalhador que assegure o sonho de um benefício que correspondesse a 70% de sua renda, na atividade, e uma “intromissão indébita” de gestores arrivistas, terceirizados, negacionistas, comissionados, sem compromissos com os pressupostos da Previdência Social, mas com o fiscalismo, o mercado, paternalismo e assistencialismo, o voluntarismo e a demagogia.

Desde então foi uma sucessão de barbaridades praticadas contra a Previdência Social:

-O INSS não pode formular política de Previdência ou de Seguridade Social.

– O INSS foi transformado na única autarquia “reversa” do mundo que não controla sua receita e sua despesa.

– O INSS criou a DATAPREV, pioneira na informatização e digitalização, nas áreas de Arrecadação e Benefícios, quando se desconhecia TI no Brasil. Hoje, perdeu o controle sobre a DATAPREV.

– Foi instituído parcelamento de dívidas previdenciárias públicas e privadas. Antes, quem não pagava era executado, com a dação em pagamento, a Previdência montou a maior imobiliária do país, retalhada em operações suspeitas com Estados, municípios, sem ressarcimento. O prazo de pagamento de dívidas passou de 1 mês para 30 anos!

– O INSS foi obrigado a aceitar implantar e pagar com financiamento urbano a previdência rural do FUNRURAL, sem contribuição dos empresários e dos trabalhadores.

– O INSS teve que engolir a desoneração contributiva das exportações de produtos agrícolas.

– O INSS incorporou a Seguridade Social com pagamento da Renda Mensal Vitalícia para idosos e incapacitados, com financiamento dos trabalhadores urbanos, como propôs Beveridge em 1938, na proposta de Assistência Social.

– O INSS passou por três reformas da Previdência para dificultar, retardar e achatar a concessão de benefícios, cortar direitos e conquistas sociais de trabalhadores e servidores, em nome de “ajuste fiscal” e combate ao déficit de caixa.

– O INSS teve que aceitar que a Receita previdenciária fosse incorporada pela Receita Federal, inclusive os auditores fiscais.

– O INSS perdeu o controle sobre sua receita contributiva e sua receita judicial.

– O INSS foi obrigado a aceitar o reparcelamento dos parcelamentos nos infindáveis REFIS.

– O INSS ficou com 42 mil servidores, sem PCCS, Plano de Cargos, Carreiras e Salários. Nos últimos 10 anos, perdeu 20 mil servidores que se aposentaram. Não houve concurso nem reposição.

– O INSS, com os sucessivos ajustes, não expandiu a rede de atendimento. Tentou colocar agência em cidades com mais de 20 mil habitantes. Não foi possível e bateu o sucateamento da rede.

– O INSS teve que aceitar a renúncia contributiva com desoneração e substituição da contribuição sobre a folha por uma alíquota sobre faturamento como instrumento de política fiscal.

– O INSS teve que aceitar que até as reservas financeiras dos aposentados fossem transformadas em instrumento de política fiscal com o crédito consignado.

– O INSS perdeu comando na perícia médica na reabilitação profissional e no serviço social por injunções políticas.

– O INSS está sendo obrigado a administrar o RPPS, o Regime dos Servidores Públicos, que nada tem a ver com o RGPS.

– O INSS teve que administrar a fila física e a fila virtual para concessão de benefícios. O ideal de 45 dias de espera foi abandonado.

– O INSS teve que implantar sistemas gerenciais para auditar e cancelar benefícios de prestação única e de prestação continuada.

– O INSS teve que implantar sistemas para auditar combater as fraudes.

Enfim, o INSS teve que se superar na gestão da essência dos princípios de Eloy Chaves e continuar sendo o que efetivamente é: 1) a maior instituição de Seguro Social da América Latina; 2) o segundo maior orçamento da República; 3) o maior instrumento de redistribuição de renda, das regiões mais ricas para as mais pobres; 4) Um acervo de mais de 100 milhões de benefícios (aposentadoria e pensões concedidos) em cinco gerações de brasileiros; 5) uma clientela de 50/60 milhões de segurados e de 30 milhões de beneficiários.

Não é nada fácil, pois os novos arautos do fiscalismo e do negacionismo querem impor uma previdência financiada só com contribuição do trabalhador, (capitalização) embora pertencendo ao Estado a gestão da receita para utilização certamente como instrumento de política fiscal em programas que beneficiam o mercado em detrimento da segurança, do sonho, da esperança e do futuro dos segurados.

(*) Paulo César Régis de Souza é vice-presidente Executivo da Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdência e da Seguridade Social-ANASPS.

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