A concretização de um sonho por meio da união: como nasceu a primeira associação de mulheres indígenas de Tapauá

Mulheres dos povos Deni, Mamuri, Apurinã, Paumari e Katukina, do município de  Tapauá, no sul do Amazonas, a 565 quilômetros de Manaus, se uniram, em 2019, para criar uma associação que fortalecesse a produção de artesanato indígena local. As coisas pareciam encaminhadas, e estavam, pois o roteiro para a criação da associação estava sendo seguido à risca: reuniões, assembleia e estatuto, como determina a lei. Mas, veio a pandemia e o grupo se desarticulou.

Tudo começou com a Oficina para o Fortalecimento do Protagonismo da Mulher Indígena Artesã, evento realizado pela Coordenação Regional (CR) Médio Purus, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). “Era uma moção local antiga”, conta Raimundo do Amaral, que na época era coordenador da Funai Médio Purus e hoje é técnico do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) no projeto Governança Socioambiental Tapauá.

“Pois técnicas ancestrais de produção de artesanato estavam se perdendo e precisavam ser recuperadas e transferidas para novas gerações”, acrescenta. “Articulamos a realização da oficina para reunir interessados e organizar as demandas de artesanato e cultura, o que foi um sucesso, porque de 3 a 6 de dezembro daquele ano, o evento reuniu aproximadamente 70 mulheres das Terras Indígenas Apurinã do Igarapé São João, Apurinã do Igarapé Tawamirim e Itixi-Mitari para a troca de saberes e práticas culturais”, recorda Amaral. No último dia do evento, aconteceu a assembleia, um passo importante para a criação da associação.

“Naquela época, a Funai tinha uma sede em Tapauá e as artesãs contavam com um espaço decorado onde elas comercializavam o artesanato”, conta a hoje vice-presidente da Amiata, Sandra Batista do Amaral, que era responsável pelo local. “Até que chegou a pandemia e a dinâmica do grupo mudou bastante. A diretoria foi toda para as aldeias, distantes da sede municipal e não era permitido realizar encontros presenciais. As muitas faltas e o distanciamento desmobilizaram o grupo”, relata Sandra.

Já em 2022, quando o projeto Governança Socioambiental Tapauá começou, a primeira sugestão foi a inclusão da associação entre as organizações que deveriam ser fortalecidas pelo projeto. Deu certo e mais rápido que o esperado. Em 8 de agosto de 2023, a Associação das Mulheres Indígenas Artesãs de Tapauá (Amiata), que na língua Apurinã é Apiata Atapara-Asika, que significa “fazer a força”, e na língua Paumari Kako’diaki, que quer dizer “ajudar”, foi oficialmente criada.

Mas não só isso: em seguida a Amiata se candidatou à chamada de projetos “Fortalecendo a Autonomia e Resiliência dos Povos Indígenas – Apoio ao Enfrentamento de Incêndios Florestais e Monitoramento Territorial na Amazônia”, do Fundo Casa Socioambiental, e foi uma das 29 selecionadas.

“O artesanato é uma das formas de expressão da cultura dos povos indígenas, especialmente para os Apurinã”, explica a presidente da Amiata, Francinete Apurinã. “A criação da Amiata é a realização de um sonho para todas as mulheres indígenas do Médio Purus, pois, agora, teremos meios de reproduzir as técnicas e saberes da nossa cultura para a produção de artesanato pelas novas gerações”, comemora.

Com a Amiata, queremos fortalecer o artesanato em toda a região do Médio Purus, especialmente entre as mulheres”, planeja Francinete. A presidente da Amiata quer percorrer aldeias indígenas de Tapauá convidando mulheres a se associarem à organização. “Assim que o rio encher, vamos em busca de mais interessadas em produzir artesanato”, revela.

Com os recursos desta chamada, a associação desenvolverá um planejamento interno e capacitações para as artesãs. “Vamos realizar oficinas de aprimoramento de técnicas de produção de biojoias, balaios, abanos, peneiras e cestarias. As próprias artesãs da Amiata vão indicar os profissionais que elas têm como referência, que vão a Tapauá promover as capacitações”, diz Elaine Ponciano, analista do Idesam. “Na oportunidade, as artesãs também vão discutir sobre as matérias-primas mais adequadas e a diversificação de materiais para a produção das peças”, acrescenta. “Ficamos muito felizes com esse avanço. Meu desejo é que, futuramente, as gerações de filhos e netos possam nos suceder na Amiata. Um povo forte é um povo com cultura forte, e isso só se consegue com união, é a união das mulheres que vai nos levar adiante. Aqui temos muito apoio de toda a comunidade. Acredito que, em breve, todos nós estaremos colhendo os bons frutos desta iniciativa”, conta Francinete.

“Além das capacitações de artesanato, também temos capacitações técnicas para gestão. Já sabemos como fazer ofícios, atas e até prestação de contas. A Amita também já tem uma missão, que é desenvolver e fortalecer a cultura do artesanato das mulheres indígenas do município de Tapauá; visão, que é ver as mulheres artesãs desenvolvendo suas atividades, gerando renda e mantendo a cultura indígena; e valores, que consistem em respeito aos povos, aos rios, às florestas e aos animais; organização e responsabilidade com nossos trabalhos e deveres; ajudar umas às outras e não deixar nenhuma para trás; e conduzir os trabalhos com honestidade e transparência”, diz Sandra.

“O sucesso da Amiata é muito importante para o território por diversas razões, mas, principalmente, para o fortalecimento do território, pois não é possível fazer isso sem a participação das mulheres”, avalia o analista do Idesam, Thiago Franco. “O artesanato é uma manifestação cultural que empodera os indígenas por meio da criatividade. Os itens produzidos nos dão a oportunidade de contemplar a ancestralidade destes povos e, ainda, fomentar a bioeconomia e a conservação, porque são confeccionados com sementes, cascas, fibras e madeiras que são coletados no chão da floresta. Ninguém retira de lá mais do que a natureza dá e além do que se precisa”, explica Franco.

Sobre o projeto

O projeto Governança Socioambiental Tapauá iniciou em abril de 2022 por meio da iniciativa estratégica Governança Territorial do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), com recursos da Rainforest Association. Ele tem como prioridade a realização de projetos em Áreas Protegidas de Tapauá, como a Floresta Estadual (FES) Tapauá, uma Unidade de Conservação estadual; e as Terras Indígenas Apurinã do Igarapé São João e Apurinã do Igarapé Tawamirim. O projeto conta com a parceria da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Amazonas (Sema-AM) para avaliação e aprovação da execução por meio do Acordo de Cooperação Técnica N.º 003/2023.

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