3º ENPRODAM é marcado por debates sobre as novas perspectivas para a dança na Amazônia

Abertura do evento aconteceu no Centro Cultural Palácio da Justiça no último fim de semana, com performances, palestras e mesas temáticas

A dança como parte da democratização do Brasil, as políticas culturais e a presença dos corpos de pessoas pretas, travestis e transexuais no segmento, assim como o apagamento de movimentos de dança de bairros de Manaus foram alguns dos temas debatidos durante o primeiro dia do 3º Encontro dos Profissionais da Dança do Amazonas – ENPRODAM, uma iniciativa permanente do Fórum Permanente de Dança do Amazonas – FPDAM, que aconteceu na última quinta (11). Com performances artísticas, palestras e mesas temáticas, a abertura do evento, que tem a proposta de ampliar os debates e perspectivas sobre a pesquisa e as políticas para a dança na Amazônia, aconteceu no Centro Cultural Palácio da Justiça, das 16h até às 19h30.

A primeira palestra trouxe o tema “O neoliberalismo e a arte: análise de conjuntura do Amazonas e o papel dos trabalhadores da dança na reconstrução do estado”. A primeira palestrante, a professora doutora Arminda Mourão, levou para debate uma preocupação teórico-prática do avanço do fascismo no mundo, especificamente no Brasil. “A dança é uma expressão cultural necessária. É preciso comunicação, porque a maioria da sociedade não conhece a arte, a dança da periferia”, comentou.

Ainda conforme Arminda, a dança e, de forma ampla, a arte, quebram preconceitos. “Precisamos ter essa resistência e resiliência”, colocou ela, refletindo sobre as formas com as quais a dança pode contribuir para a democratização no Brasil. “Se faz isso primeiro divulgando. Tem que ter um mecanismo de divulgação desse trabalho lindíssimo que as pessoas fazem. E segundo: ao comunicar, vai mostrando que é preciso e é possível resistir”.

A artista e pesquisadora Driz Rolim fez uma reflexão sobre a conjuntura do estado do Amazonas, tanto das políticas de cultura, e do papel dos profissionais de dança. “E a minha fala vai muito no encontro de corpos dissidentes. Estou falando sobre pessoas que não estão sempre acessando esses lugares. Os corpos pretos, as pessoas travestis e transexuais que não conseguem acessar esses lugares. Mas que tem o fomento da sua cultura, o seu profissionalismo em dança, a sua profissão e a sua criação também acontecendo”, coloca.

Rolim dialogou com o público presente por meio de suas vivências com o ‘ballroom’, uma cultura de bailes que começou nos anos 70, e que corresponde a um movimento político e de entretenimento que celebra a diversidade. Questionada sobre como é possível lutar contra a colonização na dança, Driz coloca que, quando falamos de colonização dentro das questões culturais, isso se relaciona ao capitalismo.

“O que a gente pode fazer, além da resistência que a gente já faz, além da independência que a gente já traz por meio dos nossos eventos, é estar presente e não só estar no local, mas de poder ter essa oportunidade de fala, de troca para que as pessoas possam nos ouvir. Porque o que eu estou falando é sobre minhas vivências, sobre minha existência e a existência de um povo, de uma cultura. De um coletivo que se articula, está vivendo e sobrevivendo, e também criando dança, fazendo a cultura acontecer em Manaus”, afirma ela.

Percepção feminina

O segundo momento da noite deu lugar à mesa temática “Mulheres, raça, classe, dança e memória: reflexões e organizações a partir da luta das mulheres”. A mesa foi integrada pela professora Keila Fonseca, e pelas artistas de ‘breaking’ – um estilo de dança urbana que se move ao som de rap, funk ou breakbeat e que hoje também se enquadra na categoria de esporte –Josiele Pedroso e Drika Oliveira. Um dos tópicos destacados na fala de Keila foram o apagamento dos movimentos de dança oriundos do bairro Praça 14.

“Na Praça 14 surgiu o samba. E nós só levamos à frente o movimento do pagode. O samba na Praça 14 não tem mais a questão das comunidades negras. Não tem vários tipos de danças que existiam antes. No caso, na comunidade não tem o samba de crioula, não tem a questão da cocada baré, que é um tipo de ritual também. Então o apagamento existe dentro da comunidade”, comenta ela.

Para Keila, a cultura está sendo esquecida porque os mais jovens não dão continuidade ao trabalho. “Quando vão manifestações de capoeira, do tambor de crioula, do maracatu, eles não são da comunidade. São ativistas de outras comunidades que adentram a nossa com sua dança. Uma forma de tentar combater esse apagamento é fazendo o convite para as outras entidades participarem da nossa comunidade, trazendo suas tradições e suas danças. É dessa forma que nós trazemos para a comunidade a cultura da dança. Convidando pessoas de fora a fazerem oficinas dentro da comunidade, a incentivar essa juventude, porque a comunidade não deu continuidade em muitas coisas da própria comunidade. Senão o apagamento vai estar alto e claro”.

A dançarina Josiele Pedroso, mais conhecida como BGirl Josy, falou sobre os desafios da união feminina no ambiente do ‘breaking’ e sobre os projetos que criou visando o fortalecimento dessa união. Questionada sobre como acabar com a rivalidade feminina no meio da dança – que ocorre por influência do sistema patriarcal –, ela fala da importância de trazer projetos voltados para mulheres, unindo-as. “Independente desse patriarcado que existe, onde às vezes vem do homem, de semear uma coisa na mente da mulher e ela acreditar que existe um ataque”, comentou.

“Um exemplo que eu posso dar é de uma conversa que uma vez que eu ouvi de um homem, falando para uma mulher que a esposa do rapaz estava treinando pra me quebrar numa batalha de ‘breaking’. Aí eu conheci a mulher, porque ela veio participar do meu projeto e inclusive hoje somos muito amigas. Aí é trabalhar isso, implantar a união. Da gente ter essa troca de vivências com essas mulheres, conhecer a realidade delas e não dar ouvidos para o que os outros dizem”, assegurou ela.

A dançarina Drika Oliveira compartilhou a experiência de ter ingressado na Seleção Brasileira de Breaking e de ter abdicado do projeto por conta da maternidade. Para Drika, a ausência de políticas públicas que deem suporte à mãe e aos filhos nos espaços dificulta a continuidade de mães na dança. “Como essas mães conseguem estar nesses lugares se o local não está pronto para receber ela com seu filho? Como que uma mãe consegue participar de algo se tem que dar atenção para o bebê e ter a atenção dividida?”, ponderou ela.

Segundo Oliveira, equipar espaços culturais de dança com estrutura para receber mães e filhos seria uma das soluções viável para o problema. “Nas minhas produções, eu sempre coloco um Espaço Kids, porque eu entendo que eu passo por isso e eu entendo que, se a mulher tiver um lugar para deixar seu filho ou o seu bebê, ela consegue voltar a dançar, a rimar. No evento ‘Hip Hop Delas’, tinham várias crianças no Espaço Kids e as mães estavam lá tocando, grafitando, dançando. A mãe estava exercendo a arte enquanto seu filho estava sendo cuidado por uma monitora em um espaço propício para a idade deles. É uma das soluções para manter essas mulheres na dança”, completa ela.

Continuação

A abertura do evento foi marcada por uma performance-ritual apresentada por Mepaeruna Tikuna, enquanto que o encerramento do evento recebeu a performance “Tilana”, de Geórgia Albuquerque. 

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