Semana de Ciência e Tecnologia recebe o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis

Cerca de 400 pessoas assistiram ontem (22) à palestra do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, criador do primeiro exoesqueleto controlado pelo cérebro humano e que permitiu que um paraplégico chutasse uma bola durante a Copa do Mundo de 2014. O evento marcou o quinto dia da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, promovida pela Universidade Federal do Amapá (Unifap), e ocorreu no Teatro das Bacabeiras, na capital amapaense.

Com o tema “A ciência como agente de transformação social”, Nicolelis apresentou seus estudos que pesquisam como extrair comandos motores produzidos pelo cérebro, a partir da decodificação dos sinais elétricos de um conjunto de neurônios, e transferir esses comandos para um artefato robótico – um braço ou uma perna mecânicos, por exemplo – para que, apenas pelo pensamento, uma pessoa consiga mover essa perna ou braço. E como a construção dessa interface homem-máquina pode beneficiar pessoas com paralisia corporal a recuperarem o movimento.

“A ciência não é para olhar para pequenas coisas e simplesmente esquecer que existem milhões de pessoas que dependem de nós, cientistas, para mudar as suas vidas, a vida do planeta. Quando eu me refiro à ciência como agente de transformação social, não me refiro a uma ciência apenas voltada para problemas mundanos: me refiro a usar todo o repertório intelectual, abstrato, intuitivo, matemático e criativo do ser humano para fazer alguém que não anda, andar”, afirmou Nicolelis.

Para Silvana Rodrigues da Silva, professora do curso de Enfermagem da Unifap, a palestra foi emocionante. “Dá vontade de participar dessa ciência que promove a qualidade de vida para as pessoas, que faz o bem”, diz.

Rodrigo Souza, acadêmico de Pedagogia da universidade, acredita que saber como o cérebro funciona fisiologicamente ajuda também na educação. “Podemos ajudar pessoas com algum distúrbio mental a potencializar o seu aprendizado, a sua cognição”, avalia.

Desdobramentos – a participação do neurocientista na SNCT deve gerar frutos, firmando parcerias futuras. “Com essa aproximação, será possível promover a mobilidade entre pesquisadores ao programa de pós-graduação que ele preside nos Estados Unidos e a possibilidade do Nicolelis retornar a nossa universidade”, explicou a pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação, Helena Simões.

Cérebro-máquina

Desde 1989 Miguel Nicolelis desenvolve pesquisas e experimentos sobre como se dá a produção de sinais elétricos das conexões neurais na realização de comandos motores para que, a partir da decodificação – “tradução” – desses sinais, seja possível reproduzir o mesmo comando motor em um objeto robótico apenas com o pensamento.

Durante a palestra, Nicolelis explicou que, meio segundo antes de algum movimento, as conexões entre os neurônios envolvidos nesse movimento – a “tempestade cerebral” – têm que ser geradas com todos os comandos do programa motor que será executado e repassado para a medula espinhal para provocar o movimento.

“Em um acidente, qualquer um pode ter uma lesão medular que interrompe o fluxo dos sinais motores do cérebro até os músculos. Quando acontece essa interrupção, apesar do cérebro continuar gerando comandos motores e continuar a imaginar como se mover, esses sinais não chegam aos membros e a pessoa fica paralisada. Com o tempo, o cérebro começa a ‘ignorar’ a existência daquele pedaço do corpo, então o conceito de mover pernas passa a desaparecer do órgão. Em 2002, propusemos que talvez seja possível usar uma interface cérebro-maquina para tratar esse paciente, ler os sinais do cérebro que geram esses comandos motores e fazer um desvio da lesão usando microeletrônica e ciência da computação, de tal sorte que os comandos motores gerados pelo cérebro pudessem ser usados para controlar um equipamento robótico”, descreveu o neurocirurgião.

O resultado desses experimentos pôde ser visto na abertura da Copa do Mundo de 2014. Juliano Pinto, que tem paraplegia completa do tronco inferior e membros inferiores, vestiu o exoesqueleto batizado de “BRA-Santos Dumont I” e deu um chute em uma bola de futebol, conseguindo movimentar o equipamento apenas com o pensamento. O projeto, intitulado “Walk Again” (Andar de Novo), envolveu 156 cientistas de 25 nacionalidades.

Nicolelis emocionou a plateia ao revelar os resultados que continuam sendo colhidos com a pesquisa. “Pacientes voluntários do projeto já conseguiram recuperar, em média, cinco segmentos de sensibilidade tática abaixo do nível da lesão. Houve um aumento da área sensível ao longo da medula espinhal, readquirindo a atividade tátil e a capacidade de contração voluntária motora de músculos abaixo da lesão medular. Tinha paciente que não saía de casa porque não tinham controle autonômico, hoje, consegue dirigir carros adaptados, por exemplo”, demonstrou.

O neurocientista revelou ainda que o Juliano Pinto, durante a demonstração na abertura da Copa, carregava o lenço que o cientista brasileiro Santos Dumont usava quando realizou o primeiro voo em um avião, em 1901.

Nicolelis

Miguel Angelo Laporta Nicolelis é um neurocientista brasileiro, considerado um dos vinte maiores cientistas do mundo no começo da década passada pela revista “Scientific American”. Foi o primeiro cientista a receber no mesmo ano dois prêmios dos Institutos Nacionais de Saúde estadunidenses e o primeiro brasileiro a ter um artigo publicado na capa da revista Science.

Lidera um grupo de pesquisadores da área de Neurociência na Universidade Duke, nos Estados Unidos, no campo de fisiologia de órgãos e sistemas. Suas pesquisas desenvolvem próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia corporal. Nicolelis e sua equipe foram responsáveis pela descoberta de um sistema que possibilita a criação de braços robóticos controlados por meio de sinais cerebrais.

Assessoria Especial da Reitoria – AER

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