Sociedade deve ir para a rua, diz sociólogo Boaventura de Souza Santos
“Muita da cultura é feita no espaço público, é feita na rua. Desde 2011, os jovens, em vários países do mundo, do Ocuppy [Wallstreet, nos Estados Unidos], dos Indignados [da Espanha], do sul da Europa, aos protestos que aconteceram aqui em 2013, os jovens chegaram à conclusão de que rua é o único lugar público que não está colonizado pelos mercados financeiros. E vêm para a rua porque as instituições não respondem aos seus anseios.”
Segundo Boaventura, a democracia representativa está refém das forças de mercado. “Em muitos desses movimentos, o que pedem? Alguma coisa revolucionária? Não. Pedem democracia real, democracia já. Porque esta democracia que temos foi sequestrada por antidemocratas. Ela hoje é refém do dinheiro e não pode ser uma democracia. Isto significa que a democracia liberal, representativa, não sabe se defender do capitalismo. Para isso, ela tem que se articular com a democracia participativa e deliberativa e esta democracia participativa vai obrigar a novas formas de política.”
Para o sociólogo, é preciso modificar a estrutura dos partidos, hoje dominada por uma cúpula que abre poucos espaços para a participação social dentro deles. Boaventura citou o exemplo do partido espanhol Podemos, fundado em 2014, com uma nova dinâmica interna, baseada em círculos de decisão, e fortemente amparado nas redes sociais, inclusive para seu financiamento.
“No Podemos, quem delibera quem são os candidatos são os círculos de cidadãos. Quem delibera a agenda são os círculos de cidadãos. Democracia participativa dentro do partido, como órgão da democracia representativa. Para fazermos isso, nas próximas décadas, temos que ir para a rua. Nós vamos ter nos nossos países momentos turbulentos em que vamos misturar luta institucional com luta extrainstitucional. Lutas nas instituições, para que nos sirvam e sejam democráticas, e lutas fora das instituições para forçar essas transformações.”
Boaventura explicou o que significa o conceito trabalhado por ele de “poder dronificado”, uma forma que em princípio mostra-se invencível, mas que tem entre os seus pontos fracos justamente a resistência popular.
“O poder contemporâneo é um poder dronificado. O drone é uma forma de poder bélico que elimina o heroísmo da guerra, que elimina a possibilidade da derrota, porque quem está a matar no Afeganistão está atrás de um computador no Nebraska, nunca pode ser morto, ferido ou derrotado. Mas também não pode ser herói. Muito do poder hoje quer se afirmar como invencível. O que são os mercados financeiros se não uma forma de poder dronificado? O que são as formas de segurança de nossos dados de vigilância global, se não uma forma de poder dronificado? Mas este poder é frágil. Parece muito forte, mas é frágil. O problema é que a força está em nós. Somos nós que lhe damos essa força toda, porque não resistimos, porque não sabemos resistir.”
Respondendo a uma questão levantada pela reportagem da Agência Brasil, durante o debate, sobre os motivos que levaram ao arrefecimento dos movimentos de rua no país, que juntaram multidões em 2013 e 2014, Boaventura disse que via uma certa estupefação dos movimentos sociais.
“Eu não penso que haja letargia. Eu noto é que os movimentos estão assustados. A gente pensava que as conquistas dos últimos 13 anos eram irreversíveis, que as instituições democráticas tinham criado uma cultura democrática. Agora são duas coisas diferentes. Temos instituições democráticas, mas não temos uma cultura democrática ainda institucionalizada.”
Nascido em Coimbra no ano de 1940, Boaventura Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, além de ministrar atividades na Universidade de Wisconsin-Madison e na Universidade de Warwick. Atua ainda como diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e é coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
O sociólogo tem trabalhos publicados sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos e foi traduzido para o espanhol, inglês, italiano, francês, alemão e chinês. Outras informações sobre o pensamento do sociólogo português podem ser obtidas na página pessoal dele na internet.
Vladimir Platonow – Repórter da Agência Brasil Edição: Fábio Massalli