Dom Pedro Conti: Sei quem ela é
Um senhor, de certa idade, chegou ao posto de saúde para fazer um curativo na mão. Estava agoniado, mas não por causa do ferimento e sim porque estava com pressa.
– Tenho um compromisso e já estou atrasado – disse o homem.
– Será que não pode esperar alguns minutinhos? – perguntou a enfermeira.
– Sabe o que é – continuou o homem – todas as manhãs eu vou ao Asilo Santa Lúcia visitar a minha esposa e tomar café com ela. Ela já está lá há alguns tempos, pois sofre de Alzheimer.
A enfermeira ficou encantada com a serenidade do velho e, quando acabou o curativo, disse: – Pronto, agora pode ir. Será que a sua esposa vai ficar zangada por alguns minutos de atraso?
– Com certeza não – respondeu o senhor – ela já não sabe que horas são; nem mesmo sabe quem eu sou. Faz quase um ano que não me reconhece. A enfermeira perguntou, então, por que tanta necessidade de ir ao asilo todos os dias e no mesmo horário. Ele respondeu:
– Ela não sabe quem eu sou, mas eu sei muito bem quem ela é!
Com o domingo do Batismo de Jesus no Rio Jordão junto a João Batista, encerramos o tempo do Natal. A página do evangelho de Lucas retoma a apresentação de João de si mesmo e de Jesus. Ele, o Batista, batiza com água, mas o mais forte que virá “vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. Essa será a missão de Jesus, mas para saber quem ele é precisa a voz do Pai: “Tu, és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer”.
Já entendemos que existem várias formas de conhecimento. O mais imediato é o intelectual que, geralmente, vem do estudo ou da experiência prática. Na literatura, encontramos o conhecimento do “coração”, quando alguém é “cativado” pelo outro ou pela outra, como lemos no Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry. No Antigo Testamento se fala de “sabedoria” e no Novo de uma revelação e de um “conhecer” que são dons de Deus Pai, palavras e gestos de Jesus, o Filho, e frutos do Espírito Santo. Com isso, entendemos algo simples. Têm “conhecimentos” que ficam na cabeça e não passam nunca no coração e na vida. Têm outros, porém, que envolvem, em diferentes graus, a pessoa toda: inteligência, sentimentos e decisões a respeito do próprio agir. Tem crist ãos que se consideram tais, porque leem a Bíblia, conhecem a Doutrina Cristã e as normas da Igreja. No entanto, Jesus Cristo não é um retrato ou um crucifixo pendurado na parede ou no pescoço, não é um livro para ler e, menos ainda, um conjunto de leis. Ele é uma pessoa.
Cada pessoa é alguém que deve ser encontrado e descoberto através da convivência, da familiaridade, da escuta. O mesmo acontece para cada um de nós: é mais o que não sabemos de uma pessoa, daquilo que aparece aos nossos olhos ou da ideia que nós fazemos dela. Por isso, os esposos nunca acabam de se conhecer e os pais nunca devem pensar que conhecem os seus filhos. Sempre tem algo de novo e, às vezes, até nós nos surpreendemos conosco. Não sabíamos que tínhamos aquele talento ou aquele defeito. Mas não devemos ter medo, ao contrário. Talvez essa seja a beleza da vida: ninguém nasce programado ou pré-fabricado, temos muitas chances de nos ajudarmos uns aos outros a construir as nossas personalidades. É um trabalho maravilhoso e desafiador que nunca acaba. Igualmente, para quem não quer ficar cristão só pela “cabe ça”, mas quer sê-lo também pelo coração e pela vida, é necessário sempre renovar e melhorar o próprio, digamos, entrosamento com Jesus.
Como ser seguidores de quem não conhecemos bem? Como “arriscar” sobre a sua palavra? O “batismo” de Jesus marca o início da sua vida pública. Com o nascimento, ele assumiu a solidariedade com a natureza humana, agora, com a sua vida, paixão, morte e ressurreição, vai transformar os acontecimentos em história de “salvação”, de reconciliação entre Deus e cada pessoa de boa vontade. Mais nada do que é humano ficará fora do projeto de amor do Pai, nem o sofrimento e nem a morte. Somente quem se envolve e ama consegue entender um pouco da missão de Jesus. Vamos acompanhá-lo, vamos conhecê-lo mais. Sem ele, nem nós sabemos mais quem somos.
Bispo de Macapá